Investigar a associação entre o câncer e o consumo de carne tem sido um dos principais alvos da medicina. Estudos são feitos, resultados, publicados, mas faltavam respostas conclusivas. Na semana passada, a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu oficialmente o alimento na lista das ameaças. Carnes processadas – lingüiças, presunto e bacon, por exemplo – foram classificadas como carcinogênicas. Ou seja, capazes de provocar a doença. E carnes frescas de mamíferos – boi, porco e carneiro entre eles – como provavelmente carcinogênicas.

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As informações resultam da análise de cerca de 800 pesquisas feita por 22 especialistas de dez países. Eles integram um painel da Agência Internacional de Pesquisa do Câncer (IARC), organismo da OMS dedicado a pesquisar causas ambientais vinculadas à enfermidade. Até hoje, mais de 900 agentes foram estudados. Eles são classificados em cinco categorias variando de carcinogênicas (grupo 1) a provavelmente não carcinogênicas (grupo 4).

As carnes processadas entraram para o grupo 1. Isso significa que existem evidências científicas suficientes para atestar seus prejuízos. O vínculo está estabelecido entre seu consumo e o câncer colorretal. Ingerir diariamente cerca de 50 gramas (equivale a duas fatias grandes de bacon) eleva em 18% a chance de surgimento deste tumor. A relação com tumor de estômago não foi registrada de forma definitiva.

O grupo 1 abriga compostos como o álcool e produtos como o cigarro. Porém, é importante diferenciar o tamanho da ameaça das carnes processadas da apresentada pelo tabaco, por exemplo. “A diferença é enorme. Colocar o alto consumo de carnes processadas na categoria 1 quer dizer que a associação é fortemente embasada em evidências científicas, assim como o cigarro, mas a magnitude do risco é muito diferente”, explica o oncologista Samuel Aguiar Junior, diretor do Departamento de Tumores Colorretais do A C Camargo Cancer Center, de São Paulo. “O risco colocado pelas carnes processadas é de 18% a mais, o que significa multiplicá-lo por 1,18 em relação ao habitual. O hábito de fumar aumenta em mais de cinco vezes a chance de câncer de pulmão, ou seja, mais de 400% além do que o esperado para não fumantes.”

As carnes frescas foram colocadas no grupo 2 A . Neste caso, há limitada evidência de efeito carcinogênico em humanos, mas provas claras de danos em animais. Os tumores que apareceram vinculados são o colorretal e o de estômago. O risco para câncer colorretal aumentaria 17% a cada 100 gramas consumidas por dia.

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PROVA
Segundo o médico Samuel Aguiar Junior, a ciência confirma a
associação entre carnes processadas e tumor colorretal

Várias substâncias contidas na carne fresca e outras que surgem em seu preparo já demonstraram capacidade de causar alterações celulares que resultam em tumores. O cozimento em alta temperatura ou o contato direto do alimento com a chama, como no churrasco, ou com a superfície quente, como nos grelhados, aumentam a produção de alguns desses compostos. “Além disso, muitas outras se formam de acordo com o método de conservação”, diz a nutricionista Shalimar Diniz, do Rio de Janeiro.

O impacto da avaliação da OMS foi imediato. Os especialistas envolvidos na análise ressaltaram as repercussões para a saúde individual e a pública. “A chance de aparecimento de tumor colorretal por causa de carne processada permanece pequena para o indivíduo, mas ela cresce de acordo com o total ingerido”, disse Kurt Straif, diretor do IARC. “E em razão do grande número de pessoas que consomem esses produtos, o impacto global na incidência de câncer é grande.”

Na opinião de outra pesquisadora envolvida, Mariana Stern, da University of Southern Califórnia, a principal mensagem é o alerta para o risco e a necessidade de moderação. “Devemos limitar a ingestão de carnes a 500 gramas por semana, o que equivale a 71 gramas por dia. E muito pouco disso deve vir de carne processada”, disse à ISTOÉ. A título de equivalência: um hambúrguer médio tem de 70 a 80 gramas. No Brasil, o oncologista Jacques Tabacof, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, ressalta ainda a importância de adoção de outros hábitos, além da adesão a uma dieta equilibrada. “Não podemos esquecer que o câncer é multifatorial. Para aumentar a prevenção, é preciso seguir um estilo de vida saudável mais completo, que inclua exercícios físicos, por exemplo.”

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