Qual é a pior dor? Alguns elegem as cólicas dos cálculos renais e as dores do câncer. Outros apostam na dor do parto. “Na verdade, são todas. A dor pior é a que estamos sentindo. E ela precisa ser aliviada”, diz o neurocirurgião Cláudio Corrêa, do Centro de Dor do Hospital Nove de Julho, em São Paulo, e organizador do 8º Simpósio Internacional da Dor, que será realizado nesta semana em São Paulo. A frase do médico ilustra uma das grandes e recentes mudanças de atitude da medicina – a idéia de que a dor deve ser controlada, independentemente da sua causa, intensidade ou duração.

É uma boa notícia para uma parcela considerável da população. “No Brasil, a dor é a principal queixa em 75% das consultas”, revela o médico e psicoterapeuta João Figueiró, do Centro Multidisciplinar de Dor do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/SP). Metade busca ajuda para a forma aguda, ligada a trauma ou lesão, por exemplo. Os outros querem amenizar a dor crônica (dura mais de três meses), resultado de muitas causas, entre elas doenças como artrite reumatóide. Cerca de 76 milhões de brasileiros sentem dor e, entre eles, 8% de forma crônica.

Alinhados com o conceito de que é desnecessário sofrer por dor, centros de pesquisa se multiplicam pelo mundo. Eles estão abrindo novas fronteiras de combate à dor. Nesses locais, um dos aspectos que vêm merecendo atenção é a relação do sintoma e as emoções. Um trabalho recémconcluído nessa área de investigação permitiu conhecer aspectos inéditos dessa associação. O neurocirurgião brasileiro Fábio Godinho, do centro de tratamento da dor do Hospital Neurológico de Lyon, na França, registrou as reações de 16 pessoas saudáveis submetidas a estímulos dolorosos e colocadas diante de cenas de dor corporal humana (queimadura, ferimentos) e animal. Os participantes consideraram a dor humana a situação emocional mais desagradável. “Eles tiveram uma percepção de dor mais intensa nessas cenas”, diz Godinho. Ou seja, quanto mais sensações ruins a emoção desperta, pior a dor.

Até pouco tempo atrás, a ciência acreditava que as diferenças na forma de sentir dor estavam relacionadas somente à maior ou menor atividade das áreas cerebrais responsáveis pelo seu processamento. Mas descobertas como a de Godinho mostram que a memória e as emoções lá guardadas têm forte influência nisso. “Lembrando as palavras do escritor Gabriel García Márquez, a vida não é exatamente aquilo que vivemos, mas aquilo que nos lembramos e como nos lembramos”, diz Godinho. Se um indivíduo que sente dor depara com uma situação que evoca sensações desagradáveis, a dor piora. É por isso que os médicos devem identificar como os pacientes lidam emocionalmente com a questão. Se for preciso, uma das maneiras de reformular reações à dor é recorrer à terapia cognitivo-comportamental. Nessa modalidade de terapia psicológica, a pessoa é treinada a mudar de atitude em relação a uma situação.

Os avanços no conhecimento da dor estão permitindo a criação de outros recursos. Um deles é a estimulação eletromagnética transcraniana. O método foi desenvolvido pelo grupo do neurologista Manoel Jacobsen Teixeira, do HC/SP. Ele é aplicado por meio de um dispositivo colocado na parte frontal da cabeça. O aparelho dispara ondas eletromagnéticas para áreas onde a dor está sendo processada, reduzindo- a. O método dá ótimos resultados nas dores da face e do cérebro e está em estudo para dores associadas a tumores.

As descobertas também estão revigorando técnicas como a estimulação cerebral feita com eletrodos. Os artefatos são implantados no cérebro em uma cirurgia e têm por função disparar impulsos elétricos. Essa atividade leva à formação de vias nervosas que inibem os estímulos da dor. O recurso é usado especialmente nos casos de lesões do sistema nervoso central ou periférico e dor de membros amputados. Na última semana, no Hospital Nove de Julho, em São Paulo, foi realizado pela primeira vez no País um implante em uma região até agora pouco visitada do cérebro, o núcleo accumbens, local relacionado com a regulação da emoção, motivação e cognição. “O objetivo foi aliviar as dores de coluna da paciente e criar condições para que ela deixe de usar potentes analgésicos contra os quais desenvolveu tolerância ”, explicou o neurocirurgião Cláudio Corrêa.

Está aí um dos grandes problemas do combate à dor. Alternativas como a morfina, por exemplo, podem gerar resistência do corpo e também preconceito, por parte dos médicos. No Brasil, ela é menos usada do que deveria. “Os médicos desconhecem as indicações. Não sabem, por exemplo, que bombas de infusão ministram quantidades pequenas e por vias que não levam à dependência”, explica o neurocientista Corrêa. Um dos usuários desse sistema é Cristian Selemme, 30 anos, um dos raros casos de fibromialgia em homens. A doença é caracterizada por dores crônicas e difusas. “Fiz muitos tratamentos e a dor não cedia. Optei pela bomba de morfina”, diz. A bomba injeta cerca de 1,5 mg de morfina ao longo do dia diretamente na medula espinhal.

Mais um recurso inovador é o botox. A substância relaxa os músculos, amenizando principalmente dores relacionadas à tensão muscular. A anestesiologista Fabíola Minson, do Hospital Albert Einstein, em São Paulo, recorre ao procedimento para tratar dores lombares, entre outras. “Ele tem efeito mais prolongado do que muitos analgésicos. Dependendo da quantidade e do local, pode durar seis meses antes de ser necessária uma segunda aplicação”, explica. A gerente de vendas Sônia Santos, 38 anos, de São Paulo, há dois meses submeteu-se à técnica. “Venci uma dor na coluna lombar”, afirma ela, que já está disposta para o trabalho depois de um afastamento prolongado.

Na área de fármacos, crescem as pesquisas sobre os benefícios de compostos tirados de animais. Nos EUA e na Europa, está em uso o analgésico Prialt (ziconotide), do laboratório Elan, obtido a partir de toxina do molusco Conus magus. A droga bloqueia os canais de cálcio entre os nervos, impedindo a transmissão dos sinais da dor até o cérebro. Ela tem se mostrado eficiente contra dores muito severas que não respondem a outras drogas. Não há previsão de chegada ao Brasil. Também na Europa circula uma nova apresentação do analgésico hidromorfona, para dores crônicas. Trata-se de uma versão de ação prolongada tomada só uma vez por dia. Entre outras indicações, estão dores oncológicas, osteoartrite e lombar. Outro novo produto é um adesivo para ser colocado sobre a pele nos casos de dor aguda. Ele libera a substância analgésica quando é delicadamente pressionado pelo usuário. Ambos são do laboratório Janssen-Cilag.

Para dores mais amenas, cientistas dinamarqueses apresentaram semanas atrás um estudo sugerindo que um composto extraído das pimentas, a capsaicina, apresenta boa ação analgésica. E há um trabalho da Universidade da Georgia (EUA) indicando que doses moderadas de cafeína, o equivalente a duas xícaras de café, diminuem em até 48% dores que surgem depois de atividade física.

No Brasil, há pelo menos um novo composto muito promissor. É a crotalfina, substância extraída do veneno da cascavel. Pesquisadores do Centro de Dor do Instituto Butantan, em São Paulo, fizeram um modelo sintético da molécula que se tem mostrado cerca de 20 vezes mais potente do que a morfina e parece causar menos efeitos colaterais. “Agora avaliaremos os efeitos colaterais e tóxicos em animais”, diz a bióloga Gisele Picolo.

Também há saídas não medicamentosas, e com eficácia comprovada, como a acupuntura. Na semana passada, uma revisão de 15 estudos feita na Universidade Duke (EUA) mostrou que o uso do método antes e depois de cirurgias de hérnia abdominal reduziu significativamente o nível de dor. “É necessário unir técnicas ocidentais e orientais para aumentar as chances de sucesso”, diz o médico e acupunturista Hong Jin Pai, do HC/SP. Há um ano, ele aplica a técnica para controlar a dor de cabeça e as dores cervicais da enfermeira Izilda Andrade. “Parei de tomar analgésicos”, conta ela.

A prática da atividade física completa o arsenal. Tanto é que as academias começam a oferecer programas para o controle da dor. Entre elas estão a Aquasport e a Cia. do Corpo, em São Paulo. Uma das modalidades oferecidas é o Pilates. Foi com sessões da técnica que o engenheiro Herman Auge, 49 anos, deixou de ser refém das dores provocadas pela escoliose na coluna. “O exercício fortalece, alonga e tonifica. Tomo remédios apenas nas crises, que felizmente são raras”, diz. Apesar de alguns dos tratamentos terem preço elevado – o botox, por exemplo, custa em torno de R$ 1,5 mil –, para quem tem dor, vale a pena tentar.