A cultura nunca mais será a mesma com a revolução digital que seduz todas as áreas artísticas. As facilidades proporcionadas pela internet e pela rapidez das conexões já permitem que um filme tenha estréia simultânea em todo o mundo. Hoje, fãs do programa virtual Second Life podem assistir na tela do computador a uma audição exclusiva da tradicional orquestra Filarmônica Real de Liverpool, a mais antiga da Grã-Bretanha – a orquestra foi reproduzida especialmente para o programa, com o maestro e todos os seus músicos transformados em avatares, que são bonecos criados digitalmente. “Essa iniciativa é parte de um projeto que deseja levar a música clássica a essa geração que cresce sob a égide da internet”, disse a ISTOÉ o coordenador de comunicação da Filarmônica Real, Michael Elliott. No rock e na música eletrônica há bandas como a alemã The Digitalism que incorporou em suas composições os ruídos produzidos pelos telefones celulares que simulam riffs de guitarra digitalizados. Elas também filmam os seus videoclipes com as câmaras de seus próprios aparelhos.

Um ícone da música eletrônica, O DJ americano Moby, acaba de recusar polidamente a oferta de uma orquestra de cordas para acompanhar a sua apresentação em Birmingham dizendo que não estava habituado a trabalhar com tantos músicos ao mesmo tempo. “Eu faço aqui mesmo, não se preocupem”, disse ele referindo-se aos seus dois computadores Macintosh, com os quais ele é capaz de criar, sozinho, uma orquestra de cordas digital. Esse é outro fenômeno da era digital: é possível trabalhar com menos pessoas e criar músicas com sons supostamente produzidos por uma infinidade de instrumentos. É isso que fez o músico Alexandre Kassin no seu recém-lançado disco Free USA, e a sua experiência foi ainda mais radical. Além de trabalhar sozinho na produção, ele inovou no suporte para as gravações: usou um Game Boy. O console portátil foi acoplado a um cartucho que permite ao aparelho cumprir a função de sintetizador que programa e cria músicas.

Os artistas apropriam-se, assim, de equipamentos que já existem no mundo da tecnologia e criam em cima das facilidades oferecidas por esse universo digital. Até no teatro existe uma tendência a incorporar novas mídias, como a internet e o skype, para promover uma globalização. É disso que se trata o projeto Play on Earth, peça teatral que estreou simultaneamente em São Paulo, na Inglaterra e em Cingapura. Os atores, espalhados pelos três continentes, contracenavam no palco através de imagens projetadas em três telões que estavam permanentemente conectados entre si por uma banda larga da internet. “Os ensaios eram complicadíssimos porque cada companhia estava num fuso horário diferente”, diz o diretor Rubens Velloso.

O mais curioso desse trabalho, no entanto, foram as dificuldades culturais. Em uma cena importante, o marido que traía a mulher esquecia um sapato e saía descalço de casa. Dias antes da estréia, Cingapura se manifestou: “Não podemos fazer a cena em que o personagem fica descalço.” Motivo: a trupe ensaiava num espaço considerado sagrado no país, onde não é permitido caminhar sem os sapatos. A segunda etapa do Play on Earth acontecerá no ano que vem, no Rio de Janeiro, e além do Brasil incluirá companhias de teatro da Índia e da Austrália. Também o cinema procura ser o mais interativo possível. A exposição Situação cinema, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, convida o visitante a mexer nos objetos, editar e gravar cenas. É o cinema indo parar no museu. Na telona, está em cartaz em São Paulo o Festival Internacional de Arte Eletrônica. A estrela é Peter Greenaway com o seu vídeo Tulse Luper suitcases, um experimentalismo digital que preconiza que a arte cinematográfica, como a conhecemos, está com os dias contados. É isso: com a digitalização, nenhuma arte será mais a mesma.