Que se cuidem os óculos de grife, os tênis importados da Baixada Fluminense e outros clássicos da indústria carioca de falsificações baratas. Está na praça um produto que, pela força do lançamento, veio para ficar. É o protesto popular de fundo de quintal.

Como todos os artigos de imitação, ele copia em tudo o original. Menos na matéria-prima. A revolta falsificada, por exemplo, leva uma boa dose de disciplina. Ela vinha dando o ar de sua graça há muito tempo, cada vez que imolava um ônibus em praça pública para avisar a opinião pública que agora estava falando sério.

Mostrava, nos ensaios, que o modelo vigente de revolta descontrolada no fundo sabe muito bem onde pisa, porque jamais queima vans. Dono de van, nesta terra, pode-se até não saber exatamente quem seja, mas por isso mesmo todo mundo sabe perfeitamente do que deve ser capaz. Portanto, queima quem pode e obedece quem tem juízo.

De repente, o protesto pirotécnico mudou de escala. Chegou à era do trem. Isso depois que a era do trem, em si, já estava meio ultrapassada no Rio de Janeiro, pela espontânea mudança de trilhos dos usuários, nas estatísticas de transportes coletivos. Em meados do ano, o trem levava 15% dos cariocas. As vans, 39%. Tamanho, nesse caso, deixou de ser documento.

Agora o trem, depois de uma longa temporada de discreta circulação pelos ramais secundários do jornalismo, reapareceu nas primeiras páginas com um quebra-quebra na Central do Brasil, daqueles que não se viam há muito tempo. No dia 7, uma locomotiva parou antes da estação. E a indignação contra os serviços ferroviários caiu com toda força no lombo dos vagões e outros equipamentos da concessionária SuperVia. Só parou diante de muita bomba de gás lacrimogêneo, bala de borracha e demais argumentos da PM.

Até aí, tudo nos conformes. Houve inclusive uma ação pública para arrancar da concessionária R$ 1 milhão em indenização aos passageiros, pelos transtornos. Depois, apareceram os sinais de que o enguiço do trem e a explosão dos passageiros foram pré-fabricados pela rede fantasma das operadoras de vans, depois que as Secretarias de Transportes do Estado e do município cassaram linhas clandestinas.

Isso, pelo menos, é o que o governo anda dizendo, com base nos laudos, indicando que, antes de parar, o trem fora submetido a bombardeios de paralelepípedos, na passagem por um viaduto. A história que parecia clara ficou mal contada. E esta coluna cumpre o doloroso dever de informar que, desta vez, a voz do governo soa muito mais plausível que a voz das ruas.

Os ônibus do Rio de Janeiro têm prática de sabotagem. As empresas mais escoladas aprenderam a fazer veículos de treinamento em suas oficinas com sobras da frota incendiada.Têm funcionários cuja função exclusiva é bajular as favelas da vizinhança, para criar vínculos institucionais com uma freguesia que vive na terra das vans. Promovem seminários para líderes comunitários. Bancam festas, obras e cestas básicas. Encaram escopetas. Dão transporte gratuito para visitas a museus e jardins públicos.

Com a prática, eles acabam até tomando gosto pelo serviço social compulsório. E ficam tão aclimatados que passam a só entrar em favela com o crachá da empresa na camisa. Sabem que a desordem do Rio parece muito natural, mas tem dono.