Quem já recebeu uma notificação da Receita Federal sabe como é. Primeiro, o sujeito se sente um azarado. Por que só ele, afinal, entre milhões de contribuintes? Depois, tem a certeza de que seus argumentos serão ignorados solenemente pelos fiscais tributários – o que geralmente acontece. Em seguida, prepara o bolso para uma multa salgada, acrescida de juros e correção monetária.

Por último, quando se vê inscrito na dívida ativa da União, o indivíduo se dá conta de que passou a ser um cidadão de segunda classe, quase um pária da sociedade. Só neste ano, mais de um milhão de brasileiros passaram por essa situação. Mas, agora, eles têm ao menos um consolo. Estão em boa companhia. Também caíram na malha fina do Leão o ministro Guido Mantega, que é o chefe da própria Receita, o executivo José Sérgio Gabrielli, que preside a Petrobras, maior empresa do País, e a todo-poderosa Dilma Rousseff, candidata do presidente Lula.

O fato de os três, além de outros seis ministros, estarem na malha fina não significa que sejam sonegadores. Ao contrário. Mantega apontou na sua declaração de Imposto de Renda uma receita de aluguéis, não declarada pelo inquilino. E Dilma disse ter tido um problema inverso: fez um pagamento por um serviço qualquer, não revelado por quem recebeu. É possível até que eles, assim como Gabrielli, tenham sido alvos de uma pequena vingança da máquina da Receita, comandada por aliados da ex-secretária Lina Vieira. Para quem não se lembra, o estopim para a queda de Lina foi uma multa aplicada contra a Petrobras. E seus principais desafetos no governo eram justamente Dilma, Mantega e Gabrielli.

Segundo o ministro da Fazenda, o fato de alguns notáveis da República estarem sendo escrutinados pelos fiscais é a prova de que o sistema brasileiro é "democrático", com todos os brasileiros iguais perante a Receita – além disso, cair na malha fina, segundo ele, "não é pecado". Pode ser. Mas é bem provável que os três consigam resolver suas pendências com muito mais facilidade do que o comum dos mortais. E o episódio deveria servir ao menos para que eles se dessem conta dos transtornos causados a milhares de brasileiros todos os anos.

Afora isso, há outro dado relevante. Os contribuintes que fizeram tudo certo e pagaram mais do que deviam estão sendo maltratados pela Receita. Milhares de restituições que seriam pagas neste ano – no valor de R$ 3 bilhões – estão com atraso no cronograma de pagamento, em razão da queda na arrecadação federal. Segundo a oposição, trata-se de um "calote" na classe média. Mas o primeiro lote, pago pelo governo em junho, incluiu uma restituição especial: a do próprio presidente Lula. Coincidência? Ou o sistema não é tão democrático assim?