O ALVO
Roger Agnelli se tornou "persona non grata" no Planalto
A FLECHA
O governo tentou usar Eike Batista para intervir na companhia

Após a malfadada reunião, o presidente pediu a seus assessores que buscassem informações detalhadas sobre a Vale. Ao saber que não há como aumentar a influência do Estado nos destinos da empresa, passou a apostar na demissão de Agnelli. Na primeira investida, incentivou o empresário Eike Batista, do grupo EBX, a comprar a Bradespar, braço não financeiro do Bradesco que detém 21,21% das ações da Valepar, controladora da Vale. A estratégia era que Eike, apoiado pelo BNDES e os fundos de pensão Previ, Petrus e Funcef, substituísse Agnelli. Mas o Bradesco não quis se desfazer de suas ações.

Na semana passada, Eike desistiu de continuar tentando entrar na Vale, que ele gostaria que fosse presidida por Sérgio Rosa, presidente da Previ. "No momento, desisti. Não sou político, sou empresário", afirmou. Já Agnelli, que não comenta a pinimba com o governo, reapareceu em público, depois de três semanas de reclusão, na quarta-feira 14 ao lado do governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), e cutucou o Planalto. "Em Minas nunca nos faltou apoio", disse.

"Há um acordo entre a Valepar e o Bradesco até 2017, pelo qual o Bradesco indica o presidente da empresa. E o banco está satisfeito com os resultados", diz Paulo Gaudí, analista da SLW Corretora. O Bradesco mantém-se em silêncio. Mas quem conhece bem a filosofia do banco paulista sabe que, apesar de conservador, não aceita tomar decisões com a faca no pescoço. O Bradesco sabe que, se ceder agora, abrirá um precedente gravíssimo. No futuro, ficaria vulnerável a intervenções em sua própria administração. Ofereceria no máximo a cabeça de diretores da Vale herdados da gestão FHC, como Carla Crasso, de recursos humanos, e Fábio Barbosa, de finanças. Nada além disso. Até segunda ordem, Roger Agnelli fica onde está.

Durante a era Lula, o presidente da Vale, Roger Agnelli, sempre foi recebido no Palácio do Planalto com pompa. Nos eventos oficiais, sua presença era sempre festejada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o chamava de "companheiro Agnelli". Dirigente da segunda maior empresa do País, Agnelli simbolizava o apoio da iniciativa privada aos projetos do governo petista. Mas, depois da crise econômica internacional, o executivo caiu em desgraça em Brasília. Lula gostaria que a Vale fosse tão dócil aos seus ditames quanto a Petrobras. Mas Agnelli, ao defender os interesses da mineradora e de seus acionistas, bateu de frente com os projetos públicos. O que deu origem a uma forte reação do Planalto, que não vê a hora de afastá-lo do comando da Vale. Assustado, Agnelli diz a amigos que é vítima do "entorno ideológico" próximo ao presidente Lula. Na segunda-feira 19, ele terá a chance de contar isso a Lula. O presidente receberá Agnelli em uma audência oficial na sede do governo para discutir a questão.

"Nunca nos faltou apoio em Minas. Com o apoio do governo vamos investir forte e nos comprometemos a acelerar os investimentos"
Roger Agnelli, presidente da Vale

O rol de queixas do Planalto é extenso. Começa com as demissões durante a crise e se estende à resistência da Vale em comprar navios de estaleiros nacionais. No dia 8 de setembro, em reunião destinada a aparar arestas, entre Lula, Agnelli, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do BNDES, Luciano Coutinho, Mantega fez o papel de carrasco e arrolou as frustrações do governo com a mineradora. Criticou o baixo investimento em siderurgia e a acomodação ao tradicional perfil de exportadora de matéria-prima. A conversa terminou em bate-boca. Ao fim do encontro, o presidente Lula comentou que o diálogo com Agnelli estava definitivamente rompido. Agnelli argumenta que a Vale compra navios no Brasil, desde que tenham qualidade, preços e prazos de entrega compatíveis com os do mercado internacional.

As explicações da Vale caem no vazio, pois Lula já concluiu que falta a Agnelli visão de Estado. Até mesmo a campanha publicitária para justificar as ações da empresa é fortemente criticada. "Se a Vale pegasse o dinheiro gasto em propaganda, poderia fazer bons investimentos no Brasil", alfineta um dos auxiliares de Lula. O Planalto passou a considerar Agnelli "arrogante" e "hostil". O presidente não perdoa as demissões em massa e o corte de produção, que considerou precipitado, logo no início da crise econômica. Também entra na conta o adiamento dos investimentos no Pará. O presidente Lula visitou a região, em 2008, e prometeu que ali se criaria um importante polo siderúrgico, com investimentos de US$ 7,5 bilhões. Mas o projeto não saiu do papel. E o Planalto sentiu-se no direito de interferir na vida de uma empresa privada, que emprega 60 mil pessoas e lucrou R$ 21,3 bilhões em 2008. Desde a privatização em 1997, seu valor de mercado saltou de US$ 7,917 bilhões para US$ 125,266 bilhões.