DR. HOUSE Os métodos pouco convencionais do médico são esmiuçados por especialistas

Quando viu que não conseguiria apresentar a filosofia de maneira atraente a seus alunos, William Irwin, professor universitário da disciplina na Kings College, nos Estados Unidos, teve uma ideia. Era o começo dos anos 90 e todos acompanhavam a série de televisão “Seinfeld”. Irwin, então, arriscou relacionar algumas teorias filosóficas apresentadas em aula com as situações retratadas pelo seriado. Foi um sucesso e em pouco tempo o curso estava lotado. “As análises despertaram o interesse dos alunos pela filosofia”, diz. A experiência rendeu um livro, o primeiro de uma série que associa seriados televisivos a sistemas filosóficos. No texto, citações de personagens da trama se misturam às teorias de Ludwig Wittgenstein e Jean-Paul Sartre de forma estranhamente natural.

A ficção das séries se provou tão rica que uma enxurrada de títulos semelhantes se seguiu. Hoje, Irwin tem 51 livros publicados e divide espaço com outras editoras que investiram no filão. “Nosso objetivo é democratizar a filosofia”, diz Simone Regazzonni, coautor de “A Filosofia de Lost” e “A Filosofia de House”, que se debruçam sobre duas séries de enorme sucesso atualmente no ar. Em “House”, Simone justifica a conduta aparentemente antiética do protagonista, Dr. House, no esforço para salvar seus pacientes com a lógica da “razão que determina a vontade”, do filósofo Immanuel Kant. Nela, Kant explica que o compromisso obsessivo com uma meta hiperética – no caso de House, o bem-estar do paciente – permite desvios de conduta para atingi-la.

Na obra que trata da filosofia em “X-Men”, de mutantes com superpoderes, Jean Grey, um deles, opta por acabar com a própria vida para salvar a de seus colegas. Sob várias perspectivas, o suicídio é condenável. Mas, na ficção, ele pode ser heroico e serve de provocação. O filósofo romano Sêneca é evocado para apresentar essa interpretação. “O homem sábio vive o tempo que deve, não o tempo que pode”, diz o livro.
No Brasil, novelas e minisséries já foram assunto de estudos filosóficos. A diferença é que aqui esses trabalhos ficaram na academia. “São teses complicadíssimas, distantes demais do grande público”, explica Nilson Xavier, autor de “Almanaque da Telenovela Brasileira”. Para ele, o trunfo dos livros de Irwin e Simone é a linguagem acessível, mesmo quando o assunto é complexo. Mas nem todos pensam assim. Antonio José Valverde, professor de filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, teme que iniciativas como essas banalizem o ensino. “Esse tipo de divulgação pode ser um desserviço à filosofia, que acaba sendo apresentada de forma diluída”, afirma. As vendas dos livros e a audiência das séries mostram que o processo parece inexorável.