A religião islâmica alinha 99 nomes para Alá. São os seus atributos, sempre lembrados pelos muçulmanos em louvor e reverência a Deus. Al Sami’, por exemplo, significa o que tudo ouve; Al Jabbar, o que compele. Há três anos, essas expressões passaram também a nomear super-heróis, os primeiros criados em nome do Islã. Chamados "The 99", eles viraram febre nos países árabes, onde já possuem até um parque temático em Jahra, no Kuwait.

Agora se aprontam para ganhar o resto do mundo numa roupagem infalível: vão virar desenho animado com a grife de uma das maiores vendedoras de conteúdo do planeta, a empresa holandesa Endemol. "Essa parceria foi um presente de Deus", diz o psicólogo e criador da série, Naif Al-Mutawa, presidente da Teshkeel Media Group, sediada no Kuwait. "Já entregamos 26 episódios que acabam de ser comercializados na Mipcom, em Cannes. Eles estão sendo escritos em Hollywood, pré-produzidos na Inglaterra e filmados na Índia."

LIGA GLOBAL
O parque temático no Kuwait (no alto), os super-heróis (abaixo) e seu criador, Mutawa: valores universais, baseados na tolerância

Mutawa morou dez anos nos EUA e gosta de enfatizar esse lado globalizado da produção de "The 99", que se afina com a própria ideia da série: promover "a tolerância, o respeito e o trabalho em equipe". Nada, portanto, que incentive a ideologia da jihad, a guerra santa pregada pelos radicais islâmicos. Embora sejam superiores em número à famosa Liga da Justiça, que reúne Batman, Super-Homem e Mulher Maravilha, os 99 não vão entrar em confronto com os famosos justiceiros americanos.

Existe até um plano de parceria com a DC Comics para que Jabbar, Sami’ e companhia se aliem aos EUA na luta contra o mal. Embora a maior parte dos 99 seja de origem islâmica e venha de países como a Arábia Saudita, a Jordânia e o Egito, a legião tem representantes nos EUA, na Inglaterra, França e China, por exemplo. A explicação está no episódio "Origens". Ele estabelece que esses super-heróis nasceram depois que 99 pedras possuidoras dos atributos de Alá foram lançadas pelo mundo no século XIII, após serem roubadas pelos mongóis. Quem as descobrir passa a ter um dos superpoderes.

A heroína Fattah, por exemplo, era uma lavadora de pratos em um restaurante de Jacarta, na Indonésia. Teve contato com a pedrinha ao comprar um cinto usado num brechó. Passou a ser "aquela que abre caminhos". Mutawa adianta que um super-herói brasileiro está a caminho: "O seu poder estará ligado à luta para salvar o meio ambiente." Publicado em mais de 20 países e traduzido para oito línguas, "The 99" tem hoje em ação 23 servidores de Alá. Mas Mutawa garante que só a inspiração é muçulmana: o conteúdo se afasta do religioso. "A história foca valores que todo ser humano compartilha. Partimos dos arquétipos islâmicos vindos do ‘Corão’, da mesma forma que Super-Homem e Batman são baseados em princípios judaico-cristãos."