Para presidente de instituto de pesquisa especializado na classe C, população vê a corrupção como a raiz das crises e é um erro pensar que todos os insatisfeitos com o governo pensam da mesma forma

Desde que criou o Data Popular, instituto de pesquisa voltado para o universo das classes C, D e E, Renato Meirelles conseguiu antecipar vários fatos que mudaram a face política e econômica do País.

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LEITURA
"O PT fala que está erradicando a pobreza e ajudando os mais pobres,
mas 81% dos brasileiros se identificam como classe média"

 

Foi ele, por exemplo, que no início de 2013 acenou que haveria pressão popular para a melhora dos serviços públicos, mote da histórica onda de manifestações de junho. Meirelles também transita com desenvoltura nos meios empresariais e políticos – no ano passado, reuniu em plena campanha presidencial os três principais presidenciáveis para o lançamento de seu livro mais recente, “Um País Chamado Favela”, e se encontrou com os ex-presidentes Lula e Fernando Henrique Cardoso.

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"Metade dos eleitores da última eleição não viveram
os quatro anos do último mandato de FHC"

 

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Na entrevista a seguir, o presidente do Data Popular fala sobre como a população mais pobre está enxergando e vivendo a crise na qual o País está mergulhado. 

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"Os políticos brasileiros são analógicos e o novo eleitor é digital.
O político brasileiro está acostumado a falar, não a ouvir"

 

ISTOÉ

 Como as classes C, D e E encaram a crise?

 
Renato Meirelles

 A crise econômica é a grande responsável pelo mau humor do brasileiro com relação a qualquer assunto. A outra é política. Há uma insegurança sobre para onde estamos indo. Isso vem desde 2013, com o total descrédito da população com a classe política. As pessoas acham que a crise política é a relação da presidente Dilma Rousseff com o (presidente da Câmara dos Deputados) Eduardo Cunha, com o (vice-presidente) Michel Temer, com o (senador do PSDB-MG) Aécio Neves, essa picuinha partidária. A crise não é essa. É que a população não enxerga alguém realmente preocupado com ela, mas sim com a briga de poder. A terceira são os problemas relacionados à corrupção. Porque o brasileiro passou a enxergar a corrupção como a raiz de todos os problemas. Todas essas crises são importantes, mas a mais grave é a de perspectiva, é não enxergar luz no fim do túnel. Quando perguntamos nas pesquisas “quando você fala em futuro, qual é a primeira palavra que lhe vem à cabeça?”, você tem dois minutos de silêncio. Os brasileiros estão com dificuldade de pensar o futuro. Eles estão com medo.

 
ISTOÉ

 O brasileiro já não é mais o mesmo?

 
Renato Meirelles

 O Brasil veio de um 2010 otimista, mas a economia foi desacelerando e esse processo mudou o humor das pessoas. Em 2012 aconteceu o último grande aumento do salário mínimo. O que fez o Brasil crescer não foi o Bolsa Família, foi a geração de emprego formal somado a uma política pública de aumento real do salário mínimo. Como também dobrou o número de universitários no País, passamos a ter um cidadão mais exigente com relação aos serviços públicos. Isso e a repressão violenta da polícia culminaram com as manifestações de 2013. O que levou um monte de gente para a rua foi o fato de as pessoas estarem pensando o seguinte: “A vida não está boa e vocês vêm me dar uma porrada? Não venha me proibir de reclamar.”


ISTOÉ

 O humor do brasileiro melhorará caso a crise política se resolva, mas a economia continue ruim?

 
Renato Meirelles

 Não existe nenhuma possibilidade de resolução da crise política sem resolução da crise econômica. Se a economia não estiver boa vai ter um monte de gente insatisfeita. E a oposição vai continuar tentando usar isso para desgastar o governo – portanto, a crise política continua. Não quer dizer que, se a economia estiver bem, a política vai se resolver, mas o contrário é impossível.

 
ISTOÉ

 As classes baixas estão insatisfeitas com o governo?

 
Renato Meirelles

 É um erro considerar os quase 80% de insatisfeitos com o governo como se fossem a mesma pessoa. Eles não pensam da mesma forma. Entre os brasileiros, 36% são oposicionistas e 44% estão decepcionados. O que os une é que todos estão infelizes com a situação do Brasil. O que os separa é a visão do estado. Boa parte dos 36% é contra o Bolsa Família, o Prouni e o Fies. Mas tambem  temos 44% dos brasileiros que na prática não estão satisfeitos com o governo, mas defendem um estado de bem estar social. Quando o organizador da manifestação começa a chamar o cara do Bolsa Família de vagabundo, ele afasta esses 44%, que também estão insatisfeitos. E quando o governista diz que o outro lado é coxinha, esses 44% se sentem ofendidos. O radicalismo de quem defende o governo é tão ruim para fazer com que o brasileiro veja a luz no fim do túnel quanto o radicalismo da oposição. Ele está acabando com o bom senso na busca de soluções, está emburrecendo o debate. O radicalismo está matando o futuro do Brasil.

 
ISTOÉ

 A presidente Dilma provavelmente tem números parecidos com os seus. O governo está fazendo uma leitura errada dos dados?

 
Renato Meirelles

 O desafio da gestão cotidiana faz com que boa parte dos governantes perca a conexão com o Brasil da dona Maria. O PSDB chamou para as passeatas e o PT chamou para as passeatas. Veja o cenário: o brasileiro está insatisfeito e não confia em nenhum político. Aí um protesto para demonstrar isso passa a ter um partido tentando capitalizar? O governo tem dificuldade de entender os números, mas a oposição também tem.


 
ISTOÉ

 Qual é o maior erro do governo Dilma hoje?

 
Renato Meirelles

 Faltou explicar ao brasileiro que ela não mudou o projeto de país que defende. Faltou explicar a necessidade do ajuste fiscal. E se colocou nas costas do ajuste fiscal todos os outros ajustes que estão sendo feitos. Alguém imagina por que um país que vivia o pleno emprego batia recorde de seguro-desemprego? Só tem uma explicação: fraude. E, em vez de denunciar a fraude, ela foi colocado na conta do ajuste fiscal.

 
ISTOÉ

 Como a rejeição de Dilma chegou a este ponto?

 
Renato Meirelles

 Pela ausência de sinalização para a população de qual Brasil surgiu depois das eleições. Tivemos um pleito radicalizado em que a grande crise já era a de perspectiva. Dilma passou muito tempo sem dar entrevistas, sem nenhuma notícia boa e sem indicar caminhos para mostrar para onde o Brasil estava indo. A situação econômica foi piorando e isso desgastou a imagem da presidente.

 
ISTOÉ

 O fato de os jovens não conhecerem o Brasil pré-PT criará um abismo geracional entre a classe baixa mais velha e a classe baixa mais nova?

 
Renato Meirelles

 Sim, isso já acontece. Por que não faz sentido para a população brasileira a comparação entre a gestão de Fernando Henrique Cardoso e a de Dilma? Porque metade dos eleitores da última eleição não viveram os quatro anos do último mandato de FHC. Os eleitores mais novos da classe C nunca passaram fome na vida. Esta foi e eleição em que a classe C mais se dividiu, com os mais velhos votando na Dilma e os mais novos se dividindo entre Aécio, anulação e abstenção. Se o PT quiser se reeleger, o desafio é como falar do futuro. O partido hoje fala que está erradicando a pobreza e ajudando os mais pobres, mas 81% dos brasileiros se identificam como classe média. Não estou falando que eles são, mas que eles se veem assim. Esse cara fala “pobre não sou eu, então não estão resolvendo a minha vida”. A esquerda acha que todo mundo associa redução da miséria com igualdade de oportunidades. Mas redução da miséria fala para o passado e igualdade de oportunidades fala para o futuro. Para a dona Maria isso não é automático. Ao mesmo tempo, o brasileiro não vê mérito em ganhar uma corrida de 100m saindo 50m na frente. O discurso da igualdade de oportunidades será a plataforma do próximo presidente da República, não tenho dúvida nenhuma disso. Se ele vai vir do PSDB, do PT ou de outro partido é uma história diferente.

 
ISTOÉ

 Os políticos se comunicam com o jovem brasileiro?

 
Renato Meirelles

 Os políticos brasileiros são analógicos e o novo eleitor é digital. O político brasileiro está acostumado a falar, não a ouvir. A lógica digital é a lógica de querer ser protagonista, de quem tira selfie na manifestação. Eu quero ouvir, mas eu também quero ser ouvido. Os políticos são da época da televisão. A TV era uma janela para o mundo, a única forma de as pessoas saberem o que está acontecendo lá fora. A internet é uma vitrine para o mundo. Os políticos não entendem isso.

 
ISTOÉ

  Na cabeça do brasileiro, qual é a diferença entre a manifestação de 2013 e as que estão acontecendo agora?

 
Renato Meirelles

 Quando eu pergunto “qual é a última manifestação que teve o povo na rua?”, a resposta é “2013”. Ninguém da classe C se lembra das manifestações deste ano. Primeiro, parece ter a ver com o fato de elas serem no final de semana. Segundo, as manifestações de 2013 tinham uma demografia mais próxima do que é a realidade do brasileiro. A de 2015 é mais forte entre as classes A e B. Terceiro, porque em 2015 são manifestações em que o foco está na disputa de poder, enquanto em 2013 o objetivo era a melhora dos serviços públicos. Uma fala para o universo político e a outra fala para a sociedade.

 
ISTOÉ

 Se as classes C, D e E pudessem resumir o que eles pensam sobre as manifestações de 2015 em uma frase, qual seria?

 
Renato Meirelles

  Eu estou tão indignado quanto as pessoas que estão na rua, mas eu não acredito que elas vão resolver os meus problemas.

 
ISTOÉ

 O senhor vê possibilidade de melhora?

 
Renato Meirelles

 Eu estou otimista. Uma coisa que mudou no País é a capacidade de o brasileiro acreditar nele mesmo. É esse brasileiro que vai tirar a gente da crise. Ainda vai piorar um pouco, mas a gente não chega no segundo semestre do ano que vem sem começar a melhorar. 

 
ISTOÉ

Como unir o Brasil?

Renato Meirelles

A mudança do discurso é fundamental. Por exemplo, parte considerável dos brasileiros acha que o Bolsa Família não ensina a pescar. E por outro lado os governistas gritam que quem diz isso é coxinha. Esse lado é o do dissenso. Mas e o lado do consenso? Um dos poucos itens que tem quase a unanimidade da opinião pública brasileira é a defesa da educação como a única forma de o Brasil melhorar. No País milhões de crianças estão na escola estudando, e não pedindo esmola, por causa do Bolsa Família. Você vai para o que interessa quando enxerga as políticas públicas pela lógica da pessoa. É o que a luta política está impedindo que o brasileiro enxergue.


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