No momento em que setores do Ministério Público (MP) questionam o foro privilegiado a que têm direito autoridades dos poderes Executivo e Legislativo, o MP paulista tem se deparado com uma sucessão de fatos envolvendo seus membros em atos ilegais. A eles também cabem privilégios que transmitem à sociedade uma leitura de impunidade. O último deles ocorreu às 20h40 do domingo 7. O promotor de Justiça Wagner Juarez Grossi, 42 anos, segundo testemunhas, dirigia em alta velocidade uma picape Ranger pela Rodovia Elyeser Montenegro Magalhães (SP-463), em Araçatuba, a 530 km de São Paulo. Ele entrou na contramão e atingiu uma moto na qual trafegavam o metalúrgico Alessandro Silva dos Santos, 27 anos, sua companheira, a faxineira Alessandra Alves, 26, e o filho dela, Adrian Riel Alves, de apenas sete anos. A moto foi arrastada por pelo menos 15 metros. Os três morreram na hora.

"O que foi que eu fiz?", teria perguntado Grossi a uma das testemunhas do acidente, o vigilante Nestor Feliciano, que prestou depoimento à Procuradoria Geral de Justiça na terça-feira 9. Segundo ele, o promotor estava bêbado, desceu do carro desorientado, segurando uma lata de cerveja. Grossi recusou-se a realizar teste de dosagem alcoólica (o que é permitido por lei), mas o exame clínico feito por um legista constatou que ele estava em estado de "embriaguez moderada". Ele só não ficou na cadeia, ainda que por algumas horas, porque é promotor. A lei lhe assegura o privilégio de não ser preso, mesmo em flagrante, nos casos de crimes afiançáveis. Os familiares das vítimas se revoltaram com o tratamento dado ao promotor. "Se fosse um pobre igual a mim, já estaria preso", diz Alberto dos Santos, pai de Alessandro.

Após o acidente, Grossi pediu licença médica de 15 dias. Se as acusações forem confirmadas, a pena prevista para o crime é de até quatro anos de reclusão, com agravamento de 1/3 em virtude do estado de embriaguez. Grossi responderá ao processo em liberdade, como aconteceu com o promotor Thales Ferri Schoedl, que em 30 de dezembro de 2004 matou a tiros o estudante Diego Modanez e feriu Felipe Cunha de Souza. O crime ocorreu na saída de um luau, em Bertioga (SP). Schoedl, que disparou 12 vezes contra Modanez e Souza, alegou legítima defesa. Segundo ele, as vítimas fariam parte de um grupo que teria mexido com sua namorada e depois o acuado.

Denunciado por homicídio qualificado (motivo fútil), o promotor trava sucessivas batalhas judiciais para ter direito a cargo vitalício. Ele quer ser julgado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em vez de ir a júri popular. Em setembro, Schoedl foi afastado de suas funções em decisão unânime do Conselho Nacional do Ministério Público.

Outro caso que desafia a lei é o do expromotor Igor Ferreira da Silva. Na madrugada de 4 de julho de 1998, ele matou com dois tiros na cabeça a esposa, Patrícia Aggio Longo, que estava grávida de sete meses. Silva atribuiu o crime a um ladrão, que teria executado Patrícia durante assalto em Atibaia (SP). Não colou. Condenado a 16 anos e quatro meses de prisão por homicídio qualificado e aborto, Silva está foragido desde 2001.

Para o procurador-geral de Justiça de São Paulo, Rodrigo Pinho, o Ministério Público faz parte da sociedade e não está isento de encontrar em seu meio os mesmos problemas que afetam a comunidade. "Mas a instituição tem atuado com o rigor necessário, em todos os casos", diz Pinho. Ele lembra que nos três casos citados partiram do MP as medidas necessárias para responsabilizar criminalmente os envolvidos. O que é preciso deixar claro é que ser promotor de Justiça confere à pessoa o dever de zelar pelas leis, e não de estar acima delas.