O close nos olhos verdes inertes, perdidos no rosto sujo e na tragédia pessoal de uma ex-modelo prostituída e viciada em crack, traduz a degradação do vício, e um mergulho. Nas cenas da personagem Larissa na novela das 23h da TV Globo, “Verdades Secretas”, Grazi Massafera cruzou uma fronteira. Passou de namoradinha do Brasil a uma atriz de verdade. A mocinha de rosto perfeito e corpo deslumbrante que começou na tevê no Big Brother Brasil, a garota-propaganda dos sonhos, a mãe de Sophia e a irretocável ex-mulher de Cauã Reymond, entendeu uma verdade nem tão secreta ao se apropriar deste novo papel: não há crescimento sem imersão.

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Para encarnar com densidade a personagem presenteada pelo autor Walcyr Carrasco e o diretor Mauro Mendonça Filho, Grazi literalmente se jogou. E ainda se joga. “Todos os dias penso que não vou conseguir”, ela diz. “Todos os dias são desafiantes. E ainda está sendo.” Representar a ruína humana, na figura de uma mulher linda que se deteriora, esquálida, com dentes imundos e angústia perturbadora, não parecia caber no portfólio da bela Massafera. “Nem eu me daria esse papel”, disse ela, que perdeu quatro quilos e meio. Mas o público aprovou nos milhões de comentários nas redes sociais.

A crítica elogiou. O maior entusiasta é Walcyr Carrasco. “A carreira de Grazi será dividida em antes e depois de ‘Verdades Secretas’. Ela descontruiu totalmente a imagem de heroína de novelas, sempre boazinha e linda, que caracterizaram seus outros papéis, para se atirar numa nova experiência radical”, resume o novelista. “Quem conhece Grazi vê o quanto ela é meiga, delicada. Larissa é realmente o trabalho de uma grande atriz.” Walcyr conta que se surpreendeu com o teste no qual teve a certeza de que estava diante da atriz certa para a personagem. “Nunca imaginei que ela aceitaria um papel tão radical. Respeito as atrizes e entendo que algumas, lindas, não querem se descontruir, ficar de cabelo feio, aparência desgastada, por isso sou franco quando falo do papel. Mas Grazi foi intensa. Estou fascinado pela atriz que ela é.” O sucesso no teste, claro, não era tudo. A preparação foi fundamental.

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O laboratório e a visita à Cracolândia, em São Paulo, a pesquisa e o trabalho com o preparador de atores, Sergio Penna, lhe deram a base. Segundo Penna, dois momentos foram marcantes no processo: o teste, quando Grazi mostrou coragem para o papel e, posteriormente, no primeiro dia de gravação na cracolândia ficcional.

“Era um set difícil, externo, com grande elenco de apoio, onde a atriz, com seu olhar, seu foco e concentração, revelou com delicadeza o mundo interno da Larissa, carregado de tristeza e profunda solidão”, explica o preparador de atores. O maior desafio de Grazi, segundo Sergio Penna, foi entrar num tema complexo, que mesmo absorvido com cuidado, exigiria ingresso num mundo carregado de tristeza, desesperança e amargura. Era preciso vencer uma distância: encontrar a humanidade e as reais motivações que levam as pessoas ao vício das drogas. “Foi feita uma pesquisa que proporcionou um tratamento profundo na ficção, ancorado no excelente texto do autor e no apoio artístico da direção.”

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Grazi trabalhou duro na preparação de Larissa. Após conversas com psiquiatras e com usuários, além de filmes e documentários que assistiu., ela exercitou sua respiração.Buscou os estados de emoção e um repertório de sintomas e comportamentos que tinham sido estudados. “Esse trabalho foi determinante: as posturas corporais, os olhares, as características de comportamento, as alterações de ritmo. Ela foi compondo uma partitura de ações de um usuário de drogas”, conta Penna. “Também fizemos escolhas de onde e em quais momentos, dentro da curva dramática, seriam utilizadas as reações físicas e emocionais, observando a progressão do vício na trajetória da personagem. O que Larissa trouxe de melhor para Grazi , além do amadurecimento pessoal e profissional, foi a certeza de que agora é uma atriz preparada para qualquer desafio. Mas a certeza não chegou pronta. No começo, ela teve inseguranças. “Não tenho como fazer essa personagem. Eu nem mesmo bebo”, confidenciara Grazi. “Conversavamos no início da novela. Ela não via verdade na sua interpretação nas primeiras cenas. Mas se empenhou e superou”, conta um amigo da atriz.

O ritmo e a edição da trama a ajudou no processo. Assim como o número menor e mais pontual de cenas. Como não é a protagonista da novela e não tem tantas cenas para gravar, Grazi pôde se dedicar às cenas mais dramáticas. Penna elegeu a cena quando a mãe tenta retirar Larissa da Cracolândia uma das mais difíceis para a bela Massafera. . “Foi muito forte, pois era um impasse afetivo e um final de relação entre elas, depois de tantos encontros e desencontros.” A cena de sexo com o traficante em troca de crack também comoveu. Em cada uma delas, Grazi mostra, decididamente, que se encontrou com seu talento.

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Foto: Estevam Avellar/Globo, Marco Antonio Rezende/Ag. O Globo; Felipe Monteiro; JAQ JONER; João Miguel Júnior/TV Globo