Ameaçado de perder seu mandato por decisão do STF, o estilista conclama seus 500 mil eleitores a protestarem nas ruas

O deputado Clodovil Hernandes diz que se identifica muito com a personagem Miranda Priestly, do filme O diabo veste Prada, vivida pela atriz Meryl Streep. É a história de uma editora de moda oxigenada, poderosa e durona, inspirada na carreira de uma diretora da revista Vogue americana. “A Miranda se parece muito comigo”, diz Clodovil. “Ela é que tem coisas minhas.” Ao caminhar pelos longos corredores da Câmara vestindo Yves Saint- Laurent, Armani e, claro, Prada, as brancas melenas do deputado ao longe se parecem mesmo com as da personagem que ele admira. Clodovil provoca a curiosidade de seus colegas parlamentares. “Acabei de elogiar você lá no plenário”, aproximouse, por exemplo, o ex-militar linha-dura Jair Bolsonaro, na segunda-feira 8. “Não me elogie, me respeite”, devolveu Clodovil. Além do respeito como político, o deputado quer conquistar o direito de mudar de partido. Ele deixou o minúsculo PTC e foi para o PR. Agora, com a decisão do Supremo Tribunal Federal, está ameaçado de perder os 493 mil votos que conquistou com o menor dos investimentos declarados de que se tem notícia na política brasileira: R$ 14 mil gastos na campanha. Nesta entrevista a ISTOÉ, Clodovil, do alto de seus 70 anos, depois de já ter derrotado um câncer e um AVC, avisa que vai brigar com unhas e dentes pelo mandato.

ISTOÉ – O que o sr. achou da decisão do STF de acabar com o troca-troca?
Clodovil Hernandes

Eu acho uma burrice. Eles eram PRN e trocaram para PTC. Por que eles podem trocar de nome e eu não posso mudar de partido? O que é partido, diante dessa falcatruada, dessa sem-vergonhice toda?

ISTOÉ – Mas foi o PTC que lhe concedeu legenda para se eleger, e foi no PTC que votaram os seus eleitores.
Clodovil Hernandes

Os meus eleitores nem sabem o que era PTC. E o PTC não fez nada pela minha candidatura. A única publicidade que eu tive foi gratuita, assim mesmo porque arrumei uma pessoa amiga minha que fez o filme da minha propaganda. Eles queriam o dinheiro. Eles recebiam R$ 45 mil por ano de ajuda para o partido (proporcional ao número de votos), e passaram a receber R$ 1,4 milhão por meu intermédio. Estão reclamando de quê? O dinheiro fica para eles. Agora, os meus votos eles não vão tomar nunca. Eu terei 500 mil votos em qualquer Estado em que me candidatar.

ISTOÉ – O que o atraiu no PR?
Clodovil Hernandes

Enquanto eu estava no PTC, eu só fui aparecendo em coisas porque me movimentava. Na verdade, só fiz benemerência nesses nove meses que estive aqui, não fiz absolutamente nenhuma coisa útil ao País porque eles não deixaram. Para que perder tempo com essa coisa de mudar de partido? Para divulgar quem, para fazer o quê? Por várias horas, ficou a elegantérrima Ellen Gracie no vídeo, horas. Era muito melhor que se contasse a vida de uma pessoa poderosa como ela, alinhada, chique, para induzir as mulheres a serem assim. Era muito melhor do que perder tempo com essa besteira.

ISTOÉ – O político então não tem que ser fiel ao partido? .
Clodovil Hernandes

Mas o que é partido? É uma jogada entre eles. O homem quando faz leis, faz leis para si mesmo

ISTOÉ – Agora que o sr. está no PR, o sr. vai votar com a base do governo?
Clodovil Hernandes

Não. Eu fui com essa condição. Eu votarei de acordo com o meu caráter. Se eu achar que alguma coisa não tem nada a ver comigo, eu não voto.

ISTOÉ – O sr., então, não será fiel à orientação partidária?
Clodovil Hernandes

Eu sou fiel ao meu povo. O governo é o meu povo. Quando os políticos saem daqui, eles fazem parte do povo. As decisões tomadas aqui refletem na vida deles também. Eles esquecem disso. Às vezes, eles votam aqui por interesses pessoais e, quando chegam lá fora, eles apanham.

ISTOÉ – Agora, na base do governo, o sr. poderá nomear pessoas para cargos no Executivo e liberar dinheiro de emendas orçamentárias com mais velocidade. O sr. irá exercer esses direitos?
Clodovil Hernandes

Não quero absolutamente direito nenhum. Eu quero concluir o meu mandato fazendo coisas para .ajudar as pessoas, porque, quando eu saio daqui, eu sou uma delas. Eu freqüento as mesmas ruas, eu tenho os mesmos problemas. A fama não é nada nessa hora. O que eu quero? Quero transformar os endereços em locais onde se pode andar

ISTOÉ – Há quem diga que rolam malas de dinheiro no Congresso. O sr. já recebeu alguma proposta aqui dentro, para mudar de partido?
Clodovil Hernandes

Se alguém me oferecer, eu conto. Esses dois diamantes aqui nos meus dedos custam uma fábula, são meus, e eu tenho há muito tempo. Eu não vim para cá para buscar nada, eu vim porque já tenho.

ISTOÉ – Quais são os seus planos políticos no novo partido? Disputar a Prefeitura de São Paulo, ou de Ubatuba?
Clodovil Hernandes

Ubatuba pode ser. Meu título é de Ubatuba. De São Paulo, eu não posso, porque não tenho o título de São Paulo. Se eu me candidatasse, eu seria eleito. Mas não quero ser prefeito de nada, quero fazer outras coisas. Eu vim para cá porque fui mandado. Acredito em Deus. Não é de maneira religiosa, carola, mas eu tive um insight (introspecção) mesmo. Eu sou muito dado a essas coisas. O universo é Deus. Deus de igreja não existe. Esse Deus é uma criatura criada para ser vendida aos pedaços, como carne num açougue.

ISTOÉ – O PR é um dos partidos mais envolvidos com o escândalo do mensalão. O presidente do partido, Waldemar Costa Neto, teve que renunciar ao mandato para não vir a ser cassado. O sr. não se sente desconfortável com isso?
Clodovil Hernandes

Pergunta o que eu falei para o Waldemar agora mesmo? Ele me disse que queria falar com o presidente do PTC. Eu respondi: “Que desilusão.” Ele perguntou: “Por quê? Ele é meu amigo.” Eu respondi: “Mas isso que é minha desilusão, porque seus amigos são muito ruins. Troca de amigos.”

ISTOÉ – Mas e quanto às denúncias contra Waldemar e o PR?
Clodovil Hernandes

Mas você pode provar que é verdade o que dizem que ele fez? Você não pode provar nada. No plural, qualquer coisa pode ser dita. Se a carapuça servir, veste. Mas os caras que participaram de todas essas coisas, da história dos dinheiros, estão todos aqui com a cara grande que Deus deu a eles. Eu não viria. Se fosse eu, eu teria vergonha. Nunca tive problema nenhum de ser homossexual. Eu teria vergonha de ser ladrão, bandido. Isso é uma coisa que não admito que conversem comigo, pois isso é um assunto para Deus. Ele que me fez, ele me explicará um dia porque eu nasci homossexual. Nasci, mas fui procurar me parecer com Leonardo da Vinci, com Michelangelo, Santos Dumont.

ISTOÉ – O Clodovil político aprendeu alguma coisa em Brasília?
Clodovil Hernandes

Não aprendi nada, ao contrário. Brasília é uma cidade feia, sem luz e sem brilho. E é por isso que o Brasil não brilhará tão cedo. Enquanto a capital não brilhar, o País não brilha.

ISTOÉ – O que Brasília precisa para brilhar? .
Clodovil Hernandes

Mudar. Fazer com que pessoas que venham para cá venham com interesses outros, não interesses pessoais. Só gente tonta pensa que tem poder

ISTOÉ – Mas as pessoas que vão para Brasília vão eleitas com os votos do povo.
Clodovil Hernandes

Brasília muda no dia em que a população souber quem ela é. O brasileiro não sabe quem é. Eles não deixam. Nós não temos educação, não temos cultura, não temos instrução, não temos nada e fica tudo por isso mesmo.
 

ISTOÉ – Muita gente pensou que o sr. viria para a Câmara para defender os homossexuais.
Clodovil Hernandes

Eu? Não sou fiscal de bunda. Meu negócio é outro. Ninguém vive disso. A gente vive é em cima de um monte de atitudes, da saúde das pessoas, das dores que as pessoas poderão sentir, da instrução, do direito de as pessoas irem ao teatro.

ISTOÉ – senador Pedro Simon disse em entrevista a ISTOÉ que o povo deveria ir para as ruas, brigar por seus direitos.
Clodovil Hernandes

É o que eu tenho dito. Eu quero que os 500 mil votos que eu tive tomem uma atitude. Não de vandalismo. Aquilo que eles me dizem nas ruas, que eles façam isso chegar a quem de direito.
 

ISTOÉ – O sr. está meio desgostoso com a política?
Clodovil Hernandes

Não. Viver é um ato político. É que antes eu falava com uma veemência dos incautos. Hoje eu falo com a calma de quem sabe que a pressa é inimiga da perfeição. Urgência é uma coisa correta, pressa atropela as coisas. Eu hoje sou urgente, mas não tenho pressa. Antes, eu falava um monte de coisas e não media as conseqüências. Agora não. Eu falava como um papagaio.

ISTOÉ – Como Clodovil interpreta a política?
Clodovil Hernandes

Ainda não existe política. O que existe é um monte de interesses pessoais que as pessoas chamam de política. Fiquei com ódio na semana passada, quando uma pessoa do governo vetou a minha proposta de leite para todas as crianças. Nem era minha, peguei essa proposta porque achei muito correta. O presidente dá leite numa cesta- família para votos.
 

ISTOÉ – Estas pessoas aqui do Congresso estão representando o povo brasileiro adequadamente?
Clodovil Hernandes

Claro que não. Nós não temos mais teatro, não temos mais artistas, não temos vozes, não temos líderes, não temos um monte de coisas, que se perderam no meio do caminho. Isso aqui é um grande Paraguai. Antes, a gente ia para as ruas, eu fui com a Cacilda Becker reivindicar um direito, pedir que a carteira das atrizes fosse retirada nos cartórios, e não nas delegacias como as prostitutas. Hoje em dia, qualquer vagabunda que seja amante de alguém que tenha poder vira estrela de televisão.

ISTOÉ – O sr., quando vê um desfile com a Gisele Bündchen, o que pensa?
Clodovil Hernandes

A Gisele Bündchen é um cavalo manco que deu certo.

ISTOÉ – Quais estilistas o sr. acha que estão fazendo um trabalho melhor?
Clodovil Hernandes

Não freqüento hoje o mundo da moda. Não sei de ninguém. Dizem que todos são gays. Eu também era.

ISTOÉ – Há algum político de quem o sr. seja mais amigo?
Clodovil Hernandes

Não. Eu conheci alguns aqui, alguns que me impressionaram muito bem. Só acho que a política é malcriada com ela mesma, são muitas ofensas, fala-se muito alto. Isso não leva a nada. Eu falo na frente de todos.

ISTOÉ – Como é a sua relação com o presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia?
Clodovil Hernandes

Hoje, eu fui agradecer a ele. Há nove meses eu não falava com ele porque ele foi malcriado comigo no primeiro dia. Mas agora eu soube que ele negou o pedido de cassação para o partido, que pedia a minha cassação. Eu fui lá, dei a mão a ele com muito prazer e disse: “Eu vim para agradecer.” Ele disse: “O quê?” Eu disse: “O fato de o sr. ter sido presidente. Presidente não tem antipatia nem simpatia, é presidente. E o sr. me surpreendeu com essa atitude.” Ele ficou passado. E aí ele sorriu verdadeiramente para mim.

ISTOÉ – O que poderia mudar no governo do presidente Lula hoje?
Clodovil Hernandes

Ele devia continuar sendo líder sindicalista. A Presidência de um país não se faz dessa forma. Muitas coisas que foram prometidas nunca foram cumpridas. Nem serão.

ISTOÉ – A sua mesa de trabalho é sustentada pela escultura de uma cobra naja. Por que o sr. batizou essa cobra de Marta Suplicy?
Clodovil Hernandes

A Marta Suplicy é muito chique, alinhada, favorita do governo, quem sabe ela não será presidente? É uma homenagem, uma cobra de raça, uma naja, venenosíssima, perigosíssima. Ela deveria ficar honrada com o apelido.

ISTOÉ – O sr., então, é um admirador da Marta Suplicy?
Clodovil Hernandes

Não gosto dela por várias coisas. Não me desce. Uma mulher que vai pedir coisas diante de um presídio, com bispo, com arcebispo, com ex-marido, para soltar seqüestradores perigosíssimos, que seqüestraram um grande amigo íntimo dela…

ISTOÉ – O Abílio Diniz.
Clodovil Hernandes

É. Eu acho isso o fim do mundo.