Não sei o que Gilberto Gil, ex-ministro da Cultura de Lula, pensa sobre o esquartejamento do ajuste fiscal no Congresso Nacional. Tampouco faço ideia de sua reação ao assassinato da meta de superávit primário (a economia que o governo precisa fazer para pagar os juros da dívida interna) na proposta de Orçamento para 2016 enviada pelo Executivo aos nobres deputados e senadores, na segunda-feira 31. A meta original, que em abril era de economizar R$ 104,6 bilhões e em julho fora reduzida para parcos R$ 34 bilhões, virou um buraco de R$ 30,5 bilhões na contas públicas. Imagino a reação do músico baiano a mais um crime contra as finanças do Estado: “Uma meta existe para ser um alvo, mas quando o poeta diz meta, pode estar querendo dizer o inatingível”, cantaria o pai de Preta Gil.

A presidente Dilma Rousseff está mais para formiga do que para cigarra, mas também faz versos sobre alvos inatingíveis. “Não vamos colocar meta. Vamos deixar a meta aberta, mas, quando atingirmos a meta, vamos dobrar a meta’’, disse, a respeito do Pronatec Aprendiz, em julho. Agora, ao abdicar do dever de indicar os cortes dos gastos e reequilibrar as contas públicas – algo imprescindível para recolocar o País na rota do crescimento econômico –, a mandatária assume que não manda mais no destino de sua administração e empurra a batata quente para o Legislativo. Metaforicamente, politicamente e economicamente, Dilma jogou a meta no ventilador. É um jogo perigoso, em que o samba de uma nota só da política brasileira – o dó, representado nas partituras de Brasília pela cifra C, não por acaso a primeira letra da palavra corrupção – soa cada vez mais desafinado.

 Na terça-feira 1º de setembro, um dia depois de o presidente do Senado, Renan Calheiros, receber a proposta de Orçamento das mãos do sorridente ministro Nelson Barbosa (Planejamento), ao lado de um constrangido Joaquim Levy (Fazenda), alguns deputados de oposição se abaixaram para não serem atingidos pela meta negativa. Não só recusaram as propostas indecentes de eles próprios indicarem os cortes na carne do governo e aumentarem impostos, como votaram a favor de projeto do Supersimples que diminuirá ainda mais a decrescente arrecadação do governo. Meta no ventilador dos outros é refresco. Renan, o pacificador, também gosta de música popular e citou um funk de Valesca Popozuda ao defender a serenidade de todos na busca de saídas para a crise econômica. “Tiro, porrada e bomba”, declamou, “não reerguem nações”. Ele tem razão, mas a Rainha do Funk carioca não passou recibo, nem deu beijinho no ombro do fã ilustre. Em nota, Popozuda mandou que os políticos resolvam a crise “com inteligência e sem roubalheira”. Vox Populi, vox Dei.

Não custa lembrar que a voz do povo, expressa nas ruas, entoa bordões indignados contra políticos ladrões e seus corruptores, contra serviços públicos péssimos e impostos demais – não foi à toa que a tentativa de Dilma de pedir o bis da CPMF acabou vaiada em uníssono e rapidamente sepultada nesse triste espetáculo em cartaz em Brasília. Vivemos tempos difíceis, mas necessários.

É hora de fazer justiça, dialogar e seguir adiante. Não podemos perder a esperança de legar um futuro melhor aos nossos descendentes. Para não desanimar com o País e a música popular, recorro ao autor de Refavela e aumento o som. Andar com fé eu vou, que a fé não costuma falhar.