Histórias e fábulas trazem geralmente uma lição no final. Esta, embora pertença ao universo nada angelical da política, também termina com um ensinamento. Quem a narra é a própria protagonista, que nos últimos dias está provocando frisson nos pefelistas e calafrios nos tucanos. Sentada num sofá de um dos salões do histórico Palácio dos Leões, em São Luís, na tarde de quarta-feira 7, a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, resgata um capítulo de sua vida política, ocorrido há 12 anos, quando seu pai José Sarney deixava o Planalto com baixa popularidade. Assessora no Gabinete Civil da Presidência, Roseana, então com 36 anos, queria abrigo em alguma legenda para tentar eleger-se deputada federal no pleito de 1990. Mas deu com a cara na porta de todos os partidos que procurou. Quase todos. “Ninguém me quis. O PFL foi o único que me aceitou”, conta, com uma ponta de malícia no sorriso. Foi eleita deputada e governadora em 1994. Em 1998, repetiu a dose e hoje está no topo da lista dos governadores mais bem avaliados, segundo o Ibope, com 88% de aprovação. Moral da história: nada como um dia após o outro. Hoje, do alto de seus quase 20% na última pesquisa CNT/Sensus para presidente, ela garante: “Não troco o PFL por nenhum outro.” A recíproca certamente é verdadeira.

A dama do PFL tornou-se peça-chave no tabuleiro ao crescer nas pesquisas. “Foi uma surpresa até para mim”, diz. Ironicamente, o lema de sua administração é “Maranhão: o segredo do Brasil”. Mas sua candidatura não são favas contadas. Assídua foliã do Carnaval maranhense, quando sai pelas ladeiras de São Luís fantasiada, Roseana não pretende, por hora, desfilar no bloco dos presidenciáveis. Qualquer movimento brusco pode lhe custar caro. “Se você me perguntasse há dois meses, eu diria que não seria candidata a presidente de jeito nenhum, que queria tentar o Senado. Meus planos eram morar na casa que estou contruindo na ilha de Curupu e me dedicar mais à família e aos livros. Hoje eu não repito isso. Digo que não sou candidata. Mas na política não se manda”, diz. Seus adversários afirmam que o País não conhece a verdadeira Roseana. “Estão vendendo uma imagem irreal. Essa fantasia será difícil de ser sustentada. Roseana não tem substância nenhuma, quem conduz o governo é o marido, Jorge Murad. Ela é apenas uma excelente garota-propaganda”, afirma o deputado estadual Aderson Lago, do PSDB. Roseana responde: “As pessoas não aceitariam uma coisa ruim.”

Um dos mais ferinos críticos de Roseana, o deputado tucano acusa a família Sarney de dominar o Estado por ter a mídia nas mãos. “Acho até bom que ela esteja crescendo nas pesquisas porque assim o País vai voltar seus olhos para o Maranhão e ver a miséria em que se encontra o Estado”, afirma Lago. Socióloga, formada em 1978 pela Universidade de Brasília, Roseana se defende argumentando que melhorou os indicadores sociais. “Não posso fazer milagres, mas posso mostrar que as coisas melhoraram”, justifica-se. Munida com dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (Pnad), do IBGE, ela cita que o número de pessoas extremamente pobres caiu de 44,5% em 1990 para 33,1% em 1999.

Apesar de ter calcado o discurso do último programa de tevê do PFL na questão da mulher, Roseana rejeita o feminismo. “Não quero a mulher isolada na luta por seus direitos”, explica a admiradora de Margaret Thatcher e Indira Gandhi. Apesar do discurso “não-sou-candidata”, ela se comporta como tal. Mesmo com forte dor nas costas, Roseana posa durante o tempo que for preciso para fotografias, ciente de que é fotogênica. No quesito roupa, é discreta. Nada de exageros ou ostentação, apesar da riqueza e poder da famíia Sarney. Com terno azul-marinho, depois trocado por uma blusa verde-clara, Roseana mostra-se elegante. Alguns detalhes revelam a simplicidade: as unhas não estão pintadas e nas mãos há apenas a aliança, do segundo casamento com Murad, de quem ficou separada durante quatro anos. Aos 48 anos, Roseana não parece, mas já é avó: Fernanda, dois anos, e Rafael, cinco meses, são filhos de Rafaela, 22 anos, que os adotou após saber que não poderia ter filhos.

Entre um cafezinho e outro, um cigarro e outro, ela defende o seu PFL, com o cuidado, é claro, de não mexer no vespeiro tucano. Quer que seu partido indique o cabeça de chapa se continuar crescendo. Diz que o prazo ideal para a escolha do candidato da base governista é abril. E prega a unidade: “É preciso articular a união dos partidos. Já tive pai presidente e sei como é importante ter apoio no Congresso.” Ela nega que esteja assustada, com medo de ser alvo de ataques e denúncias. “Minha família já foi mais do que investigada quando meu pai foi presidente. Sei que a sucessão será um jogo pesado. Estou preparada”, assegura. A governadora se move agora como se estivesse numa loja de louças. Cautelosa, diplomática, mede cada palavra. A regra número 1 é não atacar: “Não tenho nada contra ninguém.” A número 2 é elogiar até mesmo quem a critica. “Lula tem todo o direito de ser candidato. Tem uma bela biografia”, contemporiza.

Mas nas entrelinhas da conversa de Roseana é possível detectar tendências. Ao listar o que considera bom no governo de FHC, ela cita a estabilidade econômica e a Educação. Nenhuma menção à Saúde, pasta comandada por José Serra, rival no jogo da sucessão. Mas diante da pergunta, Roseana responde, sem demonstrar entusiasmo: “Também está bem.” Quanto à sua saúde, ela garante que hoje está sob controle, depois de ser submetida a várias cirurgias (a última em 1998) por causa dos mais variados problemas. “Foram mais de dez. Já perdi a conta. Mas isso tudo me fez aprender muito. Antigamente fazia política com raiva, rancor. Hoje esqueci isso. A vida é muito preciosa. A gente não tem que ficar se torturando.”

A menina-dos-olhos do PFL rejeita rótulos ideológicos: “Não existe esquerda e direita. Todos querem as mesmas coisas. As formas de alcançá-las é que são diferentes.” O PCdoB, por exemplo, integra o seu governo. “Quando entrei para o PFL, me chamavam de PFL do B por causa da minha proximidade com o PCdoB, que vem desde o movimento estudantil”, conta. A flexível Roseana flerta até mesmo com a esquerda internacional. Em 1988 esteve com Fidel Castro, em Cuba. “Ele é um homem carismático que prestou um grande serviço a Cuba. Os programas sociais eram muito bons. Agora acho que está na hora de renovar o poder”, opina. Em Cuba, conheceu Daniel Ortega, o líder da revolução sandinista. Encantado, ele inisistiu para que Roseana fosse conhecer a Nicarágua. Acabou não indo. Mas seus laços com Cuba continuam firmes. Roseana é amiga de Vilma Espín, famosa guerrilheira de Sierra Maestra, mulher de Raul Castro, o irmão de Fidel. “Nós trocamos cartas e presentes até hoje”, conta. Depois do PT cor-de-rosa, vem aí o PFL vermelho.

Uma sucessão de cizânias
PMDB quer melar prévias e pensa até em Roseana. No PSDB, Aécio neves desponta como alternativa a Serra e Tasso

Andrei Meireles

Na noite da quarta-feira 7, a cúpula do PMDB fez uma tensa reunião na casa do presidente do partido, deputado Michel Temer. Ficou clara uma nova divisão da legenda. Apesar da intensa pressão do líder na Câmara, Geddel Vieira Lima, e do ex-governador do Rio Moreira Franco, os senadores Renan Calheiros e Ramez Tebet não aceitaram a proposta de alinhamento automático com o Planalto na sucessão presidencial. Além do nome do governador Itamar Franco, Renan levantou a hipótese de uma aliança com Roseana Sarney (PFL) como cabeça de chapa. A ala palaciana rechaçou as duas alternativas. Na terça-feira 13, a bancada do PMDB no Senado deve formalizar a criação de uma terceira ala: a dos independentes, que pretende se diferenciar dos governistas e dos oposicionistas.

 ala governista do PMDB está decidida a barrar, a qualquer custo, a candidatura Itamar Franco. A pretexto de regulamentar as prévias partidárias, a direção vai reduzir o número dos participantes que, em janeiro, vão escolher o candidato do partido ao Planalto. Se isso não for suficiente, os governistas têm um plano B que causará uma grande confusão: o adiamento e até o cancelamento das prévias. Mas não é só o PMDB que está em crise na base governista. A cúpula do PFL colocou suas fichas em Roseana com o propósito de se cacifar para indicar o vice na chapa tucana. Mas a explosão da governadora nas pesquisas atropelou o projeto. Apesar das manifestações públicas de apoio a Roseana, ela virou uma grande dor de cabeça para a cúpula do PFL. “Se a candidatura Roseana se consolidar, vamos correr risco. A disputa vai virar uma roleta”, suspira o líder Inocêncio Oliveira. “Chegou a hora de o PFL superar esse vício genético de ser coadjuvante nas sucessões presidenciais”, reage o deputado Marcondes Gadelha (PB).

O fator Roseana acirrou também a briga no tucanato. Serviu de pretexto, por exemplo, para a tropa do governador do Ceará, Tasso Jereissati, tentar colocar o bloco na rua. Sob o comando do presidente do PSDB, deputado José Aníbal (SP), os partidários de Tasso queriam aproveitar o programa do partido em rede de rádio e tevê no dia 15 de novembro para exibir os pré-candidatos tucanos. O ministro da Saúde, José Serra, barrou a proposta na reunião da executiva na terça-feira 6. Irritado com a derrota, na manhã seguinte Tasso anunciou que ficaria de fora do programa. Horas depois, recuou. Um dia depois explodiu de novo ao saber que a equipe de Serra queria exibir uma cadeira vazia acompanhada da informação de que o ministro não gravou sua participação por estar trabalhando: “As coisas feitas com jogadas e dissimulações não vão levar a lugar nenhum um partido que já não está tendo um desempenho tão brilhante nas pesquisas. A força do partido só existe quando se faz a coisa limpa, quando se faz isso com caráter”, disparou Tasso.

Nos últimos dias, FHC ajudou a confundir ainda mais o tucanato. Apesar de apoiar Serra e vetar Tasso, ele estimulou correligionários a examinar a possibilidade de apoio ao presidente da Câmara, Aécio Neves (MG). O recado foi entendido e Aécio ganhará destaque no programa do PSDB, que exibirá suas vitórias na Câmara. Como Tasso e Serra não conseguem decolar nas pesquisas, uma corrente tucana começa a pensar seriamente em Aécio. A disparada de Roseana o beneficia. “Ele é jovem, também tem sobrenome famoso e pode atender o desejo de mudança que o eleitorado está manifestando”, diz a deputada Rose de Freitas (PSDB-ES), até recentemente uma entusiasta defensora de Tasso.