A história da intervenção federal no Banespa, decretada no último dia de 1994, horas antes da posse do governador Mario Covas, está sendo reescrita. Justificada pelo governo como necessária em função da crítica situação financeira do banco, a decretação do período de administração especial foi, de fato, uma estratégia política para garantir a possibilidade de privatização da instituição – finalmente realizada no ano passado, com a venda do controle para o espanhol Santander. A conclusão surge a partir dos trabalhos da CPI instalada na Câmara dos Deputados em agosto, que investiga o período. Os trabalhos ainda estão em andamento, mas já é possível saborear algumas revelações.

A série de depoimentos já colhidos – em especial o do funcionário do Banco Central Carlos José Braz Gomes de Lemos, responsável pela comissão que investigou a intervenção -, confirma o tom político da manobra. A CPI é presidida pelo ex-governador de São Paulo Luiz Antonio Fleury Filho, um dos maiores interessados em confirmar a tese. Recaem sobre ele acusações de desmandos na administração do banco durante sua gestão, todas negadas. "Durante meu mandato, o governo não realizou nenhum empréstimo do Banespa", afirma. Mas a manobra da bancada governista, que tentou afastá-lo do comando da CPI, e um compromisso firmado com os deputados da oposição, que "autoriza" a investigação do comportamento do banco durante os anos Fleury, respaldam o ex-governador.

"Está cada vez mais evidente que o BC trabalhou para manter a intervenção no Banespa com o objetivo de privatizá-lo", diz o deputado Ricardo Berzoini (PT), um dos membros da comissão e ex-presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo. Uma manobra contábil permitiu que o banco permanecesse sob intervenção, no chamado Regime de Administração Especial Temporária (Raet), a partir de agosto de 1995. A diretoria do Banco Central, então presidida por Gustavo Loyola, teria ordenado que a dívida do governo estadual fosse considerada irrecuperável – uma aberração técnica que acabou por tornar negativo o patrimônio do banco para justificar a permanência da intervenção e, posteriormente, da federalização.

Novela – Loyola, em depoimento na quinta-feira 8, negou a manobra e citou como um dos fatores da decisão a negociação da dívida do Estado de São Paulo. "Foi uma negociação técnica e política muito difícil", afirmou. O diretor de Dívida Pública do BC, Carlos Eduardo de Freitas, também negou o golpe. "A intervenção teria ocorrido mesmo que o patrimônio estivesse positivo", afirmou em seu depoimento. Nas próximas semanas, a CPI estará em São Paulo. Vai atrás, entre outras coisas, das empresas privadas que receberam generosos créditos do banco e nunca honraram suas dívidas. Mais alguns capítulos da novela deverão ser reescritos.