O resultado de uma pesquisa divulgado na última semana marcou mais um passo importante da medicina contra a gripe. Cientistas do Instituto Scripps de Pesquisa e da Companhia Farmacêutica Janssen anunciaram o sucesso de uma estratégia que pode levar à criação de uma vacina capaz de proteger contra todos os subtipos de Influenza, o vírus causador da doença. A produção de um remédio com esta característica é uma das maiores ambições da ciência. Atualmente, as vacinas impedem a contaminação pelo vírus apenas parcialmente. Elas são feitas para imunizar contra o subtipo mais prevalente no ano, o que deixa brecha para a proliferação de outros, contra os quais o ser humano pode não conseguir se defender.

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Wilson (à esq.) e Ward desenvolveram a molécula
que estimula as defesas contra o vírus

A história já deixou claro o quanto a humanidade é vulnerável ao ataque de algumas versões do Influenza. Na epidemia da gripe espanhola, em 1918, cerca de 40 milhões de pessoas morreram. Em 2009, durante a pandemia de gripe suína, perderam a vida entre 151 mil e 575 mil indivíduos. E a cada ano, ao longo das temporadas da enfermidade, o mundo registra de três a cinco milhões de casos graves e contabiliza a morte de 250 mil a 500 mil pessoas, segundo a Organização Mundial de Saúde.

Os principais obstáculos ao desenvolvimento de uma vacina que funcione contra todos os subtipos do Influenza – chamada de vacina universal – são a facilidade e rapidez com que o vírus se transforma. Por essas razões, um determinado imunizante funciona bem contra o subtipo para o qual foi criado, mas não tem qualquer ação contra outro que apresenta características distintas.

Nos últimos anos, pesquisadores de todo o planeta se dedicaram a encontrar no vírus pontos menos suscetíveis a mudanças. Chegaram à hemaglutinina (HA), uma proteína presente na sua superfície de importância fundamental para que ele possa entrar nas células. Melhor, descobriram que uma parte dessa proteína – sua haste central – não sofre qualquer alteração. Ela é tão importante para que o Influenza consiga se conectar com as células que as mutações lá não ocorrem. “Se o corpo for capaz de produzir uma resposta imunológica contra essa região será difícil para o vírus escapar”, afirmou o pesquisador Ian Wilson, do Instituto Scripps, um dos maiores estudiosos do tema.

Wilson é integrante do time que agora anunciou finalmente ter conseguido obter esta resposta, pelo menos em testes laboratoriais. Em um artigo publicado na edição online da segunda-feira 24 da revista científica Science, eles descrevem a criação de uma molécula que imita exatamente a parte central da hemaglutinina. Testada em animais, ela induziu a produção de anticorpos. E os testes foram feitos em cobaias infectadas com vários subtipos de Influenza, inclusive o H5N1, responsável pela gripe aviária, outra ameaça que continua presente. Ou seja, a molécula provocou uma reação do sistema de defesa contra o vírus, independentemente do seu subtipo. “Conseguimos comprovar a eficácia do princípio do método”, disse Wilson.

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O anúncio foi recebido com entusiasmo em todo o mundo. “Este é um enorme avançado comparado a tudo o que já foi feito até agora”, afirmou John Oxford, da Universidade de Londres e um dos mais respeitados pesquisadores da área. “Eles apresentaram dados sólidos dos testes não apenas em roedores, mas em macacos também. Além de terem obtido êxito inclusive contra o H5N1”, disse.

Os pesquisadores ressalvam, entretanto, que ainda há um longo caminho até que se consiga fabricar uma vacina universal. “É muito difícil prever quando a teremos”, disse à ISTOÉ o cientista Andrew Ward, professor associado do Instituto Scripps e co-autor do trabalho. “Mas demos um passo muito positivo nesta direção”, completou. Hanneke Schuitemaker, diretora do Departamento de Pesquisas em Vacinas Virais da Janssen e participante do grupo responsável pelo trabalho, informou à ISTOÉ os próximos passos. “Nossa estratégia agora é trabalhar em outros componentes que levarão de fato à vacina universal. E com essa combinação de esforços, que levará alguns anos, rumaremos para os estudos em humanos.”

Também em um artigo publicado na semana passada, só que na revista científica Nature, um time de cientistas do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos divulgou resultados promissores de um método que age igualmente na parte não mutável da proteína hemaglutinina. Eles criaram uma vacina juntando nanopartículas à estrutura. Elas serviram como uma espécie de marcador que ajudou o sistema de defesa a localizar especificamente a área desejada, desencadeando a produção de anticorpos. Nos testes em cobaias, a vacina protegeu total ou parcialmente da infecção pelo vírus da gripe aviária. Os pesquisadores planejam testar a eficácia da vacina em outros subtipos do Influenza.

Foto: John Dole