Com seu jeito punk e debochado, o platinado roqueiro Supla empunhou o violão e, ajudado pelo coro de seus 11 companheiros de acampamento televisivo, entoou os versos preciosos: “Mais um dia aqui/sem poder sair/dentro desta prisão/Silvio Santos vem aí/com muito ibope ele vai sorrir.” O refrão, que soava como o tilintar de moedas para o extasiado dono do SBT, dava o tom da guerra de audiência travada no domingo 4. “Ibope/sobe! sobe! sobe!”, gritavam os participantes “quase famosos” do polêmico programa Casa dos artistas, que vai ao ar diariamente pelo SBT, às 21h. Enquanto rolava o rock improvisado, a gincana eletrônica atingia picos de 43 pontos na medição do instituto, tornando-se assim a mais nova pedra no sapato da Rede Globo, que, em 28 anos, nunca havia sido atingida tão violentamente na sua liderança dominical noturna com o Fantástico.

Além da vitória na audiência, Silvio Santos também guarda outros motivos para soltar sua célebre risada. O departamento jurídico de sua emissora derrubou a liminar impetrada pela Rede Globo, que impedia o reality show de ir ao ar por dois dias. Façanha repetida na quinta-feira 8, quando a Justiça não acatou novo recurso da emissora carioca. A Globo alega que Casa dos artistas é um plágio do original holandês Big brother, exibido em 33 países, cujos direitos foram adquiridos pelo canal de Roberto Marinho em agosto passado. Estava previsto que a versão brasileira iria ao ar em março de 2002. Indignado, o diretor da Central Globo de Comunicação, Luis Erlanger, considera a investida do SBT um ato de pirataria. “Pode parecer uma briga por audiência, mas trata-se de algo muito mais grave. É uma questão de saber se a propriedade intelectual vai valer no Brasil. Se não há respeito nesse aspecto, então os valores vão por água abaixo.”

A Globo não está sozinha na guerra. A seu lado no front encontra-se a empresa holandesa Endemol, detentora da marca Big brother. Juntas, criaram a Endemol Globo, que vai vigorar através de um contrato de seis anos. Não bastasse o contra-ataque da dupla gigante da mídia, o SBT vem sendo solapado em outros flancos. Como a residência-estúdio, vizinha da casa de Silvio Santos, no bairro paulistano do Morumbi, zona sul da capital, localiza-se na chamada zona 1, estritamente residencial, a equipe de produção do programa e suas dez estrelas remanescentes correm o risco de ser despejados a qualquer momento. Quem cuida da confusão é a Administração Regional de Campo Limpo, depois da denúncia do empresário Hassib Nastas, 78 anos, que mora em frente ao estúdio improvisado de 500 metros quadrados. “Este programa é um lixo colocado a 40 metros de minha casa”, esbraveja Nastas.

Móveis de grife – Quem passa em frente ao número 482 da rua Antônio Andrade Rabello, no entanto, não nota nada de anormal além da profusão de antenas no teto da casa branca e cinza, de linhas modernistas. Mas basta o alto portão eletrônico se abrir a cada meia hora para a entrada de vans vedadas com cortinas pretas, para se ver a movimentação intensa no hall tomado por seguranças, bombeiros, faxineiras e médicos. Ao todo, 100 pessoas lá se revezam durante 24 horas para manter o interesse voyeur pela residência estrelada, cujo ponto privilegiado é uma sala espaçosa, repleta de móveis de grife. É o recanto preferido dos famosos, que desfilam seus corpos esculpidos metidos em trajes sumários. Com algum constrangimento e intimidade estudada, Supla, Alexandre Frota, Bárbara Paz, Mari Alexandre, Mateus Carrieri, Núbia Ólive, Patrícia Coelho, Marco Mastronelli, Nana Gouvêa e Taiguara Nazareth – Alessandra Iscattena foi eliminada e o cantor Leandro Lehart abandonou o barco – também transitam pela cozinha, pelos dois quartos e pela dispensa. Detalhe importantíssimo: há apenas um banheiro comum para os confinados, que – jura a produção – não mantêm nenhum contato com o mundo exterior.

Claro que a decisão do banheiro comunitário é estratégica. Querendo imprimir um certo clima erótico, num dos episódios Núbia Ólive foi tomar banho com Supla, mas o roqueiro saiu pela tangente. Outra estratégia para mostrar ao público os detalhes da convivência dos amigos-rivais da gincana, que premiará o vencedor com R$ 300 mil, foi instalar 33 câmeras, boa parte delas escondida atrás de espelhos, e 40 microfones que captam diálogos de puro êxtase. Êxtase de bobagens e completos equívocos. Núbia, por exemplo, confundiu luxo com luxúria e Frota não consegue articular uma frase sem a gíria “parada”. Frota, aliás, protagonizou um episódio que soou pura armação. Na segunda-feira 5, ele desistiu da empreitada. Dia seguinte deu uma entrevista coletiva falando sobre o assunto e à noite já estava de volta à casa, pressionado, segundo ele, pelo próprio Silvio Santos. Como um pombo correio anabolizado, ele entrou com seus 100 quilos e 1,88m trazendo recados dos familiares da turma enclausurada. O choro comunitário tentou convencer os espectadores.

Golpe de mestre – Mas há quem não leve a sério o que se passa entre as quatro paredes monitoradas. A estudante Thaisa Peralta, 17 anos, que resolveu visitar a Casa dos artistas com os amigos Gustavo Ferreira, Marília Pasculli e Alexandre Chad, está entre os incrédulos. “Assisto só para ver a palhaçada dos famosos.” Verdade ou não, Silvio Santos deu um golpe de mestre. O projeto orçado em R$ 5 milhões foi gerado e nasceu cercado de sigilos. Mateus Carrieri – que está morrendo de saudade de seus cachorros Thor e Jack – só comunicou à mulher, Andrea Agulha, que iria participar da gincana dois dias antes de seu início. Ela diz acreditar na fidelidade do marido, mas fica apreensiva. “Ali eu não ponho a mão no fogo por ninguém. Toda vez que o programa vai começar sinto um frio na barriga.”

É esta promessa de surpresas e insinuações que mantém a audiência da Casa dos artistas. Afinal, todos são bem desinibidos e as cenas levadas ao ar são editadas com a sutil intenção de mostrar que lá dentro pode acontecer mil e uma noites de carícias. No melhor estilo bateu-levou, Frota esclareceu “a parada”. “Nem se quisesse, aqui não dá pra dar.” Mesmo assim, o empresário Rogério Gherbali, marido da apresentadora Alessandra Iscattena, se sentiu aliviado com a eliminação dela, tida como calculista pela turma. “Conheço a mulher que tenho. Ela tem uma imagem limpa, é muito íntegra”, afirma ele, confiando no ambiente interno. Pelo que se sabe, preservativos não estavam no kit sobrevivência de cada um. Entre as curiosidades individuais, Supla, que topou participar para divulgar seu novo disco O charada brasileiro, à venda nas bancas a partir da quinta-feira 15, levou fotos dele mesmo e o livro Mate-me, por favor, de Legs McNeil e Gillian McCain, sobre os bastidores do movimento punk americano. Leandro Lehart não esqueceu do perfume Bulgari e do gel de cabelo. Mari Alexandre preferiu carregar um par de chinelos brancos com o personagem de desenho animado Piu-Piu junto com o livro Ninguém é de ninguém, de Zibia Gasparetto. Do lado de fora, acompanhando a movimentação da Casa dos artistas como qualquer espectador comum, Vavá, ex-vocalista do grupo de pagode Karametade e namorado de Mari, foi aconselhado pelos executivos da gravadora Sony Music a não se pronunciar sobre o programa. Estão certos. Falar o quê?