Socialite que se transformou em militante de carteirinha, Rosangela Lyra erguerá a bandeira do combate à corrupção no domingo 16. Para ela, embora a presidente tenha perdido a credibilidade, o impeachment não pode passar a impressão de golpe

Diretora da Dior no Brasil por quase três décadas, a socialite Rosangela Lyra começou a se envolver com política na década de 80, quando trabalhou na Paulistur, agência de turismo administrada pelo governo de São Paulo. Mas foi em 2005, ano da eclosão do mensalão, que ela resolveu tirar o salto e juntar-se ao povo. Desde então, sempre que um novo escândalo de corrupção é detonado, a cena se repete. Colocando em prática o que chama de “pocket actions”, que significa ações menores, a ex-diretora da Dior no Brasil já promoveu “adesivaços” e iniciativas como a lavagem da calçada da Petrobras. Rosangela também organizou o projeto Política Viva, em que estudiosos e políticos se reúnem para debater questões do cotidiano do Congresso e Planalto.

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PROTESTO CONSEQUENTE
"Não vou à manifestação para tirar selfie", diz a militante Rosangela Lyra

 

No ano passado, um de seus encontros contou com a ex-presidenciável Marina Silva. Hoje ela é presidente da Associação dos Lojistas dos Jardins e personifica o militante que irá as ruas para protestar contra o governo no dia 16. Em seu apartamento no Itaim Bibi, em São Paulo, colocou uma bandeira do Brasil de ponta-cabeça na varanda. Só irá desvirá-la, segundo ela, quando o PT sair do poder e o Brasil for resgatado. Semanas atrás, Rosangela chegou a pedir a renúncia de Dilma. “Dilma não fala com a sociedade.

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"Essas manifestações representam o despertar da sociedade, o brasileiro
pensando um pouco mais no coletivo. Um avanço como sociedade"

 

Quando ela quer falar, só sai piada.” Apesar do discurso, a socialite, que é mãe da Carol Celico, ex-mulher do jogador Kaká, hoje tem dúvidas sobre se o processo de afastamento de Dilma seria o melhor caminho. “Ela perdeu a credibilidade. Mas não se deve dar impressão de golpe, que pode resultar em embates muito fortes e muito mais acirrados.” Em coerência com o que prega, neste domingo 16, Rosangela Lyra pedirá assinaturas para que o projeto de lei de incitativa popular e elaborado pelo Ministério Público sobre as 10 medidas contra a corrupção alcance suas 1,5 milhão de assinaturas. Dessa forma, espera que o Congresso seja obrigado a votá-lo. Ela acredita que conseguirá 300 mil assinaturas apenas no protesto.

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"Uma prostituta que faz um programa por dia é diferente da prostituta
que faz três? Não. Roubo é roubo. O Dirceu errou duas vezes."

 

ISTOÉ

 A manifestação do domingo 16 pede novas eleições e “Fora, Dilma”. A sra. também empunhará essas bandeiras?

 
Rosangela Lyra

 O “Fora, PT” e o “Fora, Dilma” nós já estamos escutando desde o início das manifestações. O pedido das novas eleições é um componente novo e eu acho menos viável, porque é um processo mais demorado. Até surtir efeito, talvez já tenham passado os três anos que faltam para o fim do mandato de Dilma e ela já saia naturalmente. Às vezes eu escuto as pessoas falando como se a Dilma fosse uma monarca e fosse ficar pra sempre. Uma hora ela vai sair. 

 
ISTOÉ

 Qual é o seu objetivo pessoal com a manifestação do dia 16?

 
Rosangela Lyra

 Eu quero que o Brasil tenha uma nova etapa. Acabar de vez com a corrupção nós não vamos, mas a gente não pode deixar prosperar um sistema onde a corrupção é quem manda. Por isso, não vou à manifestação para tirar selfie. O meu objetivo é que o protesto gere frutos. Nós vamos aproveitar e colher assinaturas para o projeto de lei de iniciativa popular e elaborado pelo Ministério Público que propõe dez medidas de combate à corrupção, entre elas o endurecimento das penas para quem comete os ilícitos. A gente precisa de 1,5 milhão de assinaturas para que a proposta seja encaminhada. Todo mundo fala dos corruptos, mas as pessoas talvez não saibam que a punição ao corrupto é muito branda no Brasil. 

 
ISTOÉ

 A sra. já gritou “Fora, Dilma” e, recentemente, disse que estava em dúvida sobre pedir a permanência ou não da presidente. Qual é a sua opinião de fato?

 
Rosangela Lyra

 Quando vi a foto da reunião entre Lula, Renan Calheiros, Michel Temer, Sarney e Jader Barbalho, no Palácio do Jaburu, me questionei. Dilma já caiu e não sabemos ou  abdicou do mandato sob tutela? Lula e PMDB juntos querem salvar o Brasil ou blindar os políticos da Lava Jato? Renan virou primeiro-ministro?A mulher de forte personalidade, a “gerentona” de garra, entregou os pontos de fato para não entregar de direito a Presidência? O novo governo brasileiro será conduzido pelo senador de Alagoas, Renan Calheiros, o mesmo que havia renunciado recentemente ao cargo para não ser cassado? O fato é que Dilma sairá, agora ou em 2018, e trabalhamos e planejamos nossas ações nos dois cenários. Eu defendo o “Fora, PT”, sim, mas o “Fora, Dilma” hoje eu não tenho certeza. Ela perdeu a credibilidade, foi uma péssima gestora e se hoje a gente se encontra no caos que estamos foi por causa do governo dela. Eles pensaram muito na reeleição e acabaram tomando medidas muito populares. Ela não fala com a sociedade. Quando a Dilma fala com a população, vira piada. Ela não tem uma articulação política, não tem postura de chefe de Poder Executivo. Desde que a presidente assumiu o segundo mandato, nós vivemos momentos de incertezas. Mas tenho muitos receios, na verdade. Primeiro que, se houver um impeachment, tem que ser totalmente constitucional. Não se deve dar impressão de golpe, que pode resultar em embates muito fortes e muito mais acirrados. Também pergunto: se ela sair, não vão blindar a classe política no caso da Lava Jato, que é a minha bandeira? 

 
ISTOÉ

 A manifestação de 15 de março foi uma das maiores da história do Brasil, mas algumas pessoas se frustraram, pois não produziu resultados imediatos. A sra. acredita que o protesto do domingo 16, por ocorrer num momento de maior fragilidade política de Dilma, pode ter mais sucesso?

 
Rosangela Lyra

 Essas manifestações representam o despertar da sociedade, o brasileiro pensando um pouco mais no coletivo. Um avanço mesmo como sociedade. Mas é uma certa ingenuidade de um lado e uma arrogância de outro achar que as pessoas que vão as ruas definem prazos, o quê e como. No dia 15, as pessoas acharam que, por ter tantas pessoas na rua, logo depois a Dilma ia cair. Mas não é assim que funciona. Esse imediatismo das gerações mais novas contamina as gerações mais velhas que estavam também nas ruas.  Menos de um mês depois, já marcaram uma outra manifestação, a do dia 12 de abril, e a gente sabe que não teve a adesão esperada porque ficou muito próximo da anterior. Para domingo, a mobilização é grande, mas não quero criar falsas expectativas quanto ao público nem quanto aos seus resultados. 

 
ISTOÉ

 A sra. acredita que a nova prisão de José Dirceu pode estimular as pessoas a irem às ruas?

 
Rosangela Lyra

  A prisão dele mostrou que a justiça está sendo feita. Isso talvez incentive mais pessoas a irem para rua, porque elas estão vendo que isso tudo vale a pena.

 
ISTOÉ

 A segunda prisão de José Dirceu fez com que alguns intelectuais petistas ficassem decepcionados com o ex-ministro, pelo fato de ele ser acusado de roubar para enriquecimento pessoal. Já não era grave antes, quando os desvios aconteciam para beneficiar o partido?

 
Rosangela Lyra

 Eu pergunto: uma prostituta que faz um programa por dia é diferente da prostituta que faz três programas por dia? Não, ambas são prostituas. Eu uso a mesma comparação. A essência é a mesma. Roubo é roubo, independentemente da quantidade e da finalidade. O Dirceu errou duas vezes. 

 
ISTOÉ

 O TCU está prestes a julgar as contas da presidente Dilma Rousseff. A sra. acredita que com essa manifestação o tribunal possa ser pressionado?

 
Rosangela Lyra

 Eu acho que o TCU já tem a sua decisão tomada há muito tempo e não é a pressão popular que vai mudar seu trabalho e seu parecer. É um parecer técnico e contra fatos não deve haver argumentos. Acho que eles vão realizar um trabalho isento de qualquer influência externa. 

 
ISTOÉ

 O PSDB convocou as pessoas para irem às ruas em seu programa de TV. Até então, o partido preferia manter uma distância regulamentar dos protestos. Como a sra. analisa essa nova postura da legenda de oposição?

 
Rosangela Lyra

  Quando as manifestações de rua começaram, as pessoas queriam se afastar de todo e qualquer partido político e queriam mostrar que aquilo era um desejo da sociedade civil. Os políticos que tentavam se aproximar eram rejeitados. Ingenuamente, muitos dos movimentos achavam que as ruas se bastavam e que não era preciso conversar com os políticos. Isso é um erro, porque se não é feita uma articulação política, independentemente do partido e viés, não se consegue conquistas e demandas. Você vai ficar só na rua gritando. Então, os movimentos viram que era o momento de se aproximar do político.  Agora, os políticos do PSDB resolveram participar, por entenderem que têm espaço.

 
ISTOÉ

 O governo Dilma e o Congresso prometeram apoiar algumas demandas do protesto de junho de 2013, mas não cumpriram. A sra. acha que a postura vai ser a mesma?

 
Rosangela Lyra

 Junho de 2013, na minha leitura, foi muito genérico. Os 20 centavos não tiveram uma proposta ou demanda muito clara.  Eu não vejo como isso poderia se traduzir em ações. 

 
ISTOÉ

 Qual a sua opinião sobre as pessoas que pedem intervenção militar durante os protestos?

 
Rosangela Lyra

 Elas estão equivocadas. Trata-se de um retrocesso. Eu acho que nós conseguimos avançar e por mais que tentem me explicar que intervenção não é ditadura, para mim é algo que eu não gostaria que o Brasil vivesse. Respeito os militares, acho que eles têm um papel muito importante na sociedade. As pessoas que defendem isso usam muito o argumento de que os militares são honestos, mas há investigações sendo feitas envolvendo almirantes e militares da reserva. Então, não dá para generalizar e falar que uma categoria é boa e a outra é ruim. 

 
ISTOÉ

 Na sua opinião, qual a saída para a crise política vivida pelo País?

 
Rosangela Lyra

 Precisamos de uma reforma política. Para mim, o voto distrital puro seria o ideal. Porque se um dos males da corrupção é a campanha, vamos baratear a campanha. Para mim, o pior de tudo é a intervenção do Estado no mercado, no nosso dia a dia. Eu defendo um Estado mais liberal e menos participativo. O modelo ideal é o americano. A gente copia tanta coisa deles, por que não copiar algo que está funcionando?