Richard Clinton Dawkins não conseguiu vencer a timidez e pedir uma caneta emprestada à colega da carteira ao lado em uma das disputadas aulas de zoologia da Universidade de Oxford, nos primórdios de sua graduação. Tinha esquecido a sua e anotar as explanações letivas era seguir a tradição da universidade, a mais antiga do mundo aglófono. Mas vindo de um colégio só de meninos, o jovem estudante de biologia travou. Aquela foi, segundo ele narra em “Fome de Saber”, autobiografia que chega agora ao Brasil pela Companhia das Letras, a primeira aula de fato aproveitável na disputada graduação científica.

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EX-TÍMIDO
De estudante encabulado a porta-voz da Evolução, o cientista
repassa os principais anos de sua formação em novo livro

Mais badalado e vendido autor de divulgação científica da atualidade, Dawkins diz que sente verdadeiro ódio quando percebe que tem gente anotando automaticamente suas falas .“Prefiro público leigo, festivais literários e aulas como convidado onde os alunos vão porque querem, não porque está na grade curricular”.

Dawkins ficou conhecido no mundo todo por seus textos e títulos provocativos, bem-humorados e inteligentes. O mais barulhento deles, “Deus, um Delírio”, se tornou best-seller atacado por religiosos de origens diferentes em todo o mundo, o que no fim ajudou a vender muito mais. Mas o biólogo é – e sua biografia afirma isso em todos os capítulos dedicados à sua formação – antes de tudo um grande difusor de Darwin. Criativo e pouco metódico, Dawkins tem a seu favor uma lógica irretocável e inspirada, que consegue usar falas das peças de Shakespeare para explicar o raciocínio de pesquisas desconhecidas de gente comum, como estudos do comportamento animal, e mostrar como cada experimento demonstra, à sua maneira, que não existe um designer divino por trás do funcionamento natural – e nem em lugar algum.

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IMAGEM E SEMELHANÇA
Em seu primeiro livro de memórias, que sai agora no Brasil,
Dawkins se compara a Darwin

Um fato é que, como autor de uma série de livros incríveis que atualizam todos os públicos sobre a Evolução, o escritor acaba, a fim de negar a existência do Criador, tratando mais da ideia de Deus que muitos teólogos. Apesar de incomodar todas as correntes religiosas dos países em que hoje é publicado, a insistência de Dawkins tem um objetivo maior, que é afastar as instituições educativas de orientações religiosas como o Criacionismo. Muito por sua influência, a doutrina foi banida dos currículos escolares do Reino Unido no ano passado.

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Entendendo sua cruzada anti-Criacionista, parece mais compreensível a desimportância que o cientista dá em suas falas ao valor simbólico das crenças na história da humanidade. Para ele, toda religião – são palavras suas – é um vírus que se multiplica nas mentes humanas, atrapalhando o seu desenvolvimento. Mas do livro de memórias que coloca agora nas livrarias mostra como a sua relação intelectual com Charles Darwin passa pelo fascínio e chega à idolatria pela personalidade atrás do cientista. Talvez a humanidade não precise de religião. Mas até Richard Dawkins precisa de um ídolo.  


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