Como se não bastassem a inflação alta, o desemprego crescente, a queda nos investimentos e a retração do PIB, os brasileiros se depararam nos últimos dias com outra tragédia econômica: a escalada do dólar. Nos sete primeiros meses de 2015, ele subiu mais de 30%, o que representou a maior alta desde 2003. O dólar ganhou fácil da inflação (5,11% no período) e de todos os investimentos disponíveis no mercado brasileiro. Peça-chave em qualquer economia desenvolvida, a moeda americana supervalorizada pode significar um perigo. O principal motivo é óbvio: o dólar elevado encarece uma lista enorme de produtos. Ao aumentar a pressão inflacionária, atinge em cheio o bolso dos consumidores, que pagam a conta dos equívocos na condução da política econômica do País. Mas não é só. Para muitos especialistas, o dinheiro americano terá alta volatilidade nos próximos meses. Os mais pessimistas disseram que ele pode chegar a R$ 4 até o final do ano, o que seria uma tragédia para as finanças do País. O governo não acredita nessa possibilidade. Recentemente, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, classificou o cenário como “uma turbulência passageira.” Para o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, “a alta do dólar não terá grande impacto na inflação porque a economia brasileira está em retração.”

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NAS ALTURAS
Casa de câmbio no Morumbi Shopping, em São Paulo:
maior alta da moeda americana em 12 anos

A excessiva valorização da moeda já provoca mudanças em hábitos de consumo da classe média. Nos últimos anos, muitos brasileiros viajaram aos Estados Unidos, além de desfrutar das férias, para pagar mais barato por artigos eletrônicos, utilidades domésticas, roupas e acessórios para bebês, entre outros itens. Mas, pela primeira vez em muito tempo, está deixando de ser vantajoso fechar negócios em solo americano. Com o dólar a R$ 3,51, conforme a cotação da terça-feira 11, o modelo mais simples de uma cafeteira Nespresso saía por R$ 451,50 em lojas de Miami. No Brasil, uma máquina idêntica poderia ser comprada na semana passada por R$ 399.

Até os iPhones, que nos Estados Unidos chegaram a custar um terço do preço brasileiro, se tornaram caros graças ao aumento da cotação da moeda americana. Um exemplo: o iPhone 6 Plus com 128 GB é vendido, também em Miami, por R$ 3,3 mil. No Brasil, sai por R$ 4,7 mil. É uma boa diferença, mas bem menor do que a de tempos atrás – com a vantagem de que, por aqui, o celular pode ser parcelado em dez vezes. Isso certamente contribuiu para afugentar turistas. Segundo dados do Banco Central, em junho o montante gasto por brasileiros no exterior caiu 17,4% em relação ao mesmo período do ano passado.

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Em economias abertas como a brasileira, que dependem do fluxo de comércio internacional, a alta do dólar traz uma série de prejuízos. De acordo com os últimos dados disponíveis, 23% de tudo o que se consome no País vem do exterior – ou seja, é pago em dólar. A moeda cara obriga o importador a repassar o aumento para o consumidor. É assim que se alimenta a inflação. “Muitos produtos não são importados, mas possuem peças compradas no exterior”, diz Michael Viriato, coordenador do laboratório de finanças do Insper. “Ou seja, mesmo sendo fabricados no Brasil, vão ficar mais caros.” Mais da metade dos produtos farmacêuticos e até 77% do insumo de eletrônicos vêm de fora. Na verdade, não costuma ser uma tarefa fácil encontrar um produto nacional que não contenha pelo menos um componente estrangeiro.

Para os empresários, não é uma decisão simples repassar os custos para os consumidores. Se o preço subir demais, os potenciais compradores vão desaparecer. Segundo Marcel Visconde, presidente da Associação Brasileira das Empresas Importadoras e Fabricantes de Veículos Automotores (Abeifa), o setor, já em dificuldades, vive exatamente esse dilema. Entre janeiro e julho, houve uma queda de 29,1% na venda de carros importados. Os estoques, portanto, estão cheios. Quando esvaziarem, uma nova leva de automóveis deverá ser importada. Desta vez, com o dólar nas alturas, beirando os R$ 4. Os compradores estarão dispostos a pagar, pelo mesmo veículo, 30% a mais do que no começo do ano? “O problema é que o consumidor agora tem menos dinheiro”, diz Visconde. São mesmo tempos difíceis para todos.

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Fotos: FELIPE GABRIEL; Ed Ferreira/Folhapress; Marcelo Camargo/Ag. Brasil