Calor escaldante onde antes fazia frio. Tempestades de neve e chuva, muita chuva onde não caía pingo d´água. No céu, nuvens carregadas de poeira química formam um manto impenetrável para o mais impetuoso dos raios solares. Escura, desértica ou alagada, no ano 2100 tudo indica que a paisagem da Terra será cada vez mais próxima dos cenários macabros da ficção científica. Se a humanidade mantiver o mesmo ritmo de emissão de poluentes dos últimos 25 anos, a alteração climática será líquida e certa. Desde o início da revolução industrial, na segunda metade do século XVIII, a temperatura da Terra aumenta sem parar. A fumaça das chaminés, do escapamento dos carros, das caldeiras das usinas termelétricas, o desmatamento e as queimadas são ingredientes de um caldeirão fervente.

As evidências estão aí: nos últimos 100 anos, a temperatura média da Terra subiu 0,5°C. As previsões indicam que em 60 anos os termômetros marcarão um acréscimo de 1°C a 3,5°C. Parece pouco o aumento de um mísero grau. “Só que na era glacial, quando os países do Hemisfério Norte eram cobertos de gelo, a temperatura era cinco graus abaixo do que é hoje”, compara o professor Pedro Leite da Silva Dias, do Instituto Astronômico e Geofísico da Universidade de São Paulo, um dos mais renomados especialistas brasileiros em mudanças climáticas. “A variabilidade do clima deve se acentuar em função do aumento do efeito estufa”, explica o professor.

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TIRA-GOSTO Representante dos EUA, Frank Loy recebe no rosto o troco pela intransigência americana

Apelidado de efeito estufa numa analogia com o telhado de vidro que multiplica artificialmente o calor dos raios solares para o crescimento das plantas, o fenômeno controla a absorção da radiação infravermelha. O vapor d’água e outros gases funcionam como um mecanismo para liberar aos poucos o calor de volta para o espaço. No nosso planeta, o “telhado de vidro” é a atmosfera. Na realidade, o efeito estufa é essencial para a vida na Terra. O problema é que o aumento da quantidade de gases no ar torna a atmosfera menos permeável e o calor fica retido.

Dez anos atrás, o mundo emitia cerca de 6 bilhões de toneladas anuais de gás carbônico (CO2). Só os Estados Unidos respondiam por 1 bilhão de toneladas. A estatística mais recente indica que o desmatamento das florestas tropicais, as queimadas e a combustão de derivados de petróleo elevaram as emissões para algo cerca de 7,8 bilhões de toneladas ao ano. É pura lógica: nesse ritmo, alterações climáticas são inevitáveis. Mudam os padrões de chuva e de seca: um dilúvio em áreas desérticas como o meio-oeste americano (leia mapa à pág. 90). Ou estiagem em locais férteis da América do Sul, da África e da Austrália. Outro pesadelo é o derretimento das geleiras, que elevaria o nível do mar em até um metro, provocando o desaparecimento de nações inteiras, em especial no sudeste asiático. O clima tende a ficar mais instável e alterar a intensidade de fenômenos naturais como o El Niño (correntes marítimas quentes no oceano Pacífico) e La Niña (ondas frias na mesma região).

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A utilização de combustíveis fósseis como os derivados do petróleo, as queimadas e o desmatamento das florestas ampliam os níveis de emissão dos gases que provocam o efeito estufa

No centro da polêmica estão os Estados Unidos, que resistem em reduzir sua emissão de poluentes. Com 4% da população mundial, os EUA emitem hoje um quarto dos gases desencadeadores do efeito estufa. As divergências ficaram claras na semana passada, em Haia, na Holanda. Desde o dia 13, representantes de 185 países discutiram formas de colocar em prática a proposta de redução dos níveis de poluentes negociados em 1997 (leia quadro à pág. 87). Do encontro deveriam sair metas e planos claros para a implantação do chamado Protocolo de Kyoto, tratado internacional do clima que prevê que os países industrializados, responsáveis por mais da metade (55%) da emissão de gases, teriam de emitir 5,2% menos poluentes do que em 1990, considerado o ano-base para calcular os danos do efeito estufa.

Chocolate – Ambientalistas e delegados das nações pobres acusaram os americanos de tentar afundar o Protocolo de Kyoto e tornar inútil a reunião de Haia. Numa queda-de-braço que se prolongou por duas semanas, o chefe da delegação americana na conferência de Haia, o secretário de Estado Frank E. Loy, recebeu uma prova da insatisfação pela intransigência de suas posições. Na quarta-feira 22, uma militante arremessou-lhe uma torta de creme e chocolate no rosto. O efeito estufa é um consenso mundial entre a comunidade científica, fato raro na arena ecológica. Todos concordam que é preciso frear a emissão de poluentes o quanto antes. De preferência, até 2012, conforme prevê o Protocolo de Kyoto. “Mesmo que não saia decisão prática nenhuma de Haia, é questão de tempo até que se tomem ações para combater o efeito estufa”, diz Délcio Rodrigues, diretor da organização ambientalista Greenpeace.

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Para facilitar a adequação ao protocolo, foi proposto que os países possam comprar e vender entre si direitos de emitir CO2. O país que não usar toda a sua cota poderia vender seus direitos a outro. Alguns participantes do programa, incluindo o Brasil, propõem que as nações industrializadas financiem projetos de redução de emissões de CO2 nos países mais pobres – o chamado “mecanismo de desenvolvimento limpo”, em troca de cotas. Na prática, isso pode facilmente