De administrador de empresas quase sem posses a novo-rico, Sérgio Augusto Martins Moysés teve mais do que sorte e oportunidades na vida empresarial. A senha para sua entrada nos negócios suspeitos que movem a máquina pública na Bahia foi o namoro com a herdeira de um clã político: Tereza Mata Pires, filha do presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL). Tereza é casada oficialmente com César Mata Pires, um dos donos da OAS, construtora da família de ACM. A bordo da Secretaria de Administração da Bahia, que comandou de janeiro de 1995 a maio deste ano, Sérgio Moysés montou, escudado pela namorada Tereza, uma azeitada caixa registradora usando a estrutura de uma obra social, o SAC (Serviço de Atendimento ao Cidadão) – uma cadeia de postos de serviço que é a menina dos olhos da administração carlista na Bahia. Sob a sua gerência, a Secretaria de Administração e o SAC tornaram-se uma usina de escândalos: licitações viciadas, favorecimento a empresas de familiares, cabide de empregos. Tereza permaneceu no comando geral do SAC até o último dia 2 de novembro, quando recebeu do pai um recado direto: procure outro emprego. Secretário de Administração durante cinco anos, Moysés conseguiu, mesmo ganhando um salário líquido de R$ 3,7 mil, multiplicar seu patrimônio de uma forma espantosa. E, sem que jamais tenha sido investigado, vive hoje em Portugal implantando uma versão lusitana do SAC baiano. Pobres portugueses.

Criado há cinco anos para garantir um serviço público rápido e eficiente, com o fornecimento de documentos pessoais, passaportes e servindo também como banco de empregos, o SAC montou escritórios em 12 municípios baianos, incluindo Salvador, e até exportou sua fórmula para 11 Estados. O que era uma boa idéia, porém, virou uma escola de irregularidades. E Sérgio Moysés, um servidor remediado, virou dono de uma fortuna em propriedades. O ex-secretário tem oito apartamentos em seu nome, seis deles comprados depois que assumiu o cargo público. Como sempre acontece em casos de enriquecimento meteórico, muita coisa está no nome de parentes. Cinco apartamentos – três no Apart Hotel Pituba Sol e dois no Praia Bella – foram registrados no nome de sua mulher, Eliana Moysés (leia quadro à pág 26). No caso de Sérgio Moysés, mais importante é o que não diz ter. Como duas empresas montadas por ele, Postdata e Sergil, que assumiram o comando do SAC e passaram a prestar serviços para a secretaria que comandava. Contratada sem licitação, a Postdata passou a empregar, sem concurso, todo o pessoal responsável por expedir carteiras de identidade, passaportes, títulos de eleitor, entre outros documentos. A empresa, aberta em nome do empresário Fernando Borba, é na verdade controlada por Moysés em parceria com o deputado estadual Marcelo Guimarães (PFL). Somente no ano passado, o governo da Bahia repassou, segundo relatório do Tribunal de Contas do Estado, R$ 47,2 milhões à Postdata – dinheiro superior ao gasto pelo Estado nas áreas de saúde, agricultura e combate ao desemprego. A Sergil, que tem como sócio o irmão de Sérgio, Augusto Moysés, também entrou na farra: alugava a preços superfaturados os caminhões do serviço SAC Móvel. Outra empresa, a Garrido e Romero, comandada por Cesar Romero, analista particular de Sérgio Moysés, passou a prestar serviços de qualificação profissional. A empresa foi criada um mês e meio antes de assinar seu contrato com o governo do Estado. Tudo passou a ser controlado por um grupo de parentes e amigos de Moysés.

O superintendente responsável pelas compras e pelo cadastramento de empresas passou a ser José Torzillo, casado com a irmã de Eliana Moysés, mulher de Sérgio. Se Torzillo cuidava das compras, os editais de licitação ficavam a cargo do coordenador de Acompanhamento e Avaliação, Edvaldo Farias de Carvalho Filho, irmão de Ivonete, mulher de Augusto Moysés. Sérgio, Augusto, Edvaldo e José Torzillo, fora do expediente, eram parceiros de farras e pescarias a bordo das duas lanchas do chefe, batizadas de “Manhosa” e “Essa Menina”, guardadas no estaleiro de Augusto na Marina Bonfim. Augusto, por sinal, é outro caso de sorte nos negócios. De funcionário do Condomínio Interlagos tornou-se em quatro anos um empresário dono de apartamentos de cobertura e carros de luxo. Moysés pode ter todos os defeitos, mas não pode ser acusado de pouca generosidade com os mais próximos. Duas assessoras de sua época na secretaria, Dina Rachid e Marzeni Caribé Bacelar, a Zai, viram seu patrimônio crescer enquanto estiveram ao lado do amigo. Marzeni, dona da firma que fornecia uniformes para o SAC, engordou a sua declaração de renda com um Renault importado e um apartamento perto da avenida Magalhães Neto. Dina, que ganhou de presente uma viagem à Europa e um pacote para a Copa da França, faz até hoje propaganda de rádio do governo do Estado. Toda essa equipe foi sendo exonerada, pouco a pouco, depois da saída de Sérgio Moysés.

O ex-secretário não tinha limites. Para abrir um posto do SAC na cidade de Jequié, terra do governador César Borges, mandou alugar um imóvel por R$ 50 mil mensais. O pai do governador, que mora na cidade, descobriu que o preço tinha sido superfaturado. César Borges exigiu que Sérgio Moysés baixasse o preço, que acabou despencando para R$ 6 mil. Mas o maior escândalo surgido nesses anos dourados foi o derrame de documentos falsos emitidos pelos balcões do SAC.

Carteiras falsas – A polícia estima que 100 mil baianos tenham hoje no bolso algum documento falso, muitos usados para abrir contas em bancos, fazer compras, dar cheques sem fundos e criar empresas fantasmas. No vestibular da Universidade Federal da Bahia deste ano, peritos apreenderam num único dia 180 carteiras falsas de estudantes. Um estelionatário preso, Jorge Luís Benevides Cavalcante, admitiu que retirou, em uma das lojas do SAC, no bairro da Barra, quatro carteiras de identidade, três CPFs e duas carteiras profissionais. Todos falsos. Outro, Alfredo José Menezes de Almeida, acabou preso com nove carteiras de identidade falsas retiradas de postos do SAC. A facilidade é tão grande que o empresário Fernando Batista Gama clonou a carteira de identidade do próprio filho, menor de idade, para poder movimentar dinheiro em sua conta bancária. Mesmo debaixo de pesadas denúncias, Sérgio Moysés sempre contou com a defesa de Tereza, que ficava ao seu lado até nas entrevistas coletivas, defendendo-o com truculência, no melhor estilo de seu pai. Em fevereiro, quando os casos de documentos falsos já lotavam as delegacias baianas, o próprio ACM foi chamado pelo governador César Borges para um ato de desagravo em favor de Moysés. “Trata-se de uma grande instituição, com um serviço notável”, elogiou o senador baiano, ao inaugurar uma megaloja do SAC, com 1,9 mil metros quadrados, em um shopping de Salvador. Nove meses depois, sua filha sairia do comando do SAC por recomendação sua.

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A Receita Federal também sentiu o tamanho da fraude ao fazer um recadastramento no Estado. Quase a metade dos 7,4 milhões de CPFs da Bahia foi cancelada. Foi suspenso 48,3% do total de documentos – o que coloca a Bahia entre os Estados com maior porcentual de CPFs anulados. A inversão de valores pelas autoridades baianas chegou ao contra-senso de processar o jornalista que iniciou as denúncias contra a derrama de documentos falsos pelo SAC. Marconi de Souza, repórter de A Tarde, retirou uma identidade falsa em um dos balcões do SAC para provar a facilidade de se aplicar o golpe nas barbas do governo. Em vez de apurar a denúncia e estancar o problema, Sérgio Moysés, apoiado pela namorada Tereza, mandou processar o repórter. O procurador-geral do Estado, Raimundo Viana, denunciou o jornalista por falsificação de documento. “As únicas carteiras de identidade falsas emitidas pelo SAC são aquelas obtidas pelo repórter”, ironizou na época Moysés, garantindo ter gastado R$ 1 milhão para modernizar o sistema.

Alice Portugal do PCdoB: “O SAC virou uma estrutura de poder de Moysés e Tereza”

Sem punição – “O Sérgio Moysés é especialista em fazer contas. Especialmente quando significa subtrair do patrimônio público e somar ao seu patrimônio pessoal”, diz a deputada estadual Alice Portugal (PCdoB). Moysés também entrou com uma queixa-crime contra o deputado Paulo Jackson, que cobrou, em discurso na Assembléia Legislativa, providências contra a fraude. O governador César Borges chegou ao ridículo de ameaçar punir quem tentasse comprovar as falhas no SAC. “O pior é que nada é apurado e só a gente acaba processado. O grupo de Antônio Carlos controla com rédea curta a Justiça deste Estado”, emenda a deputada estadual Lídice da Mata (PSB), ex-prefeita de Salvador, que já trocou até pontapés com ACM.

“O SAC virou uma estrutura de poder do Moysés e da Tereza”, afirma a deputada Alice Portugal, que investiga o esquema de corrupção montado no SAC. “Ficou comprovada a corrupção de Sérgio Moysés e é óbvio que tudo aconteceu com conhecimento de Tereza, filha do senador ACM. Mas ninguém faz nada”, protesta o deputado estadual Arthur Maia (PSDB). O pioneiro nas denúncias contra Moysés foi o deputado estadual Paulo Jackson (PT), que morreu em maio quando o ônibus onde viajava capotou. Desde então, um grupo de deputados de oposição tenta criar uma CPI para apurar as irregularidades na Secretaria de Administração e o enriquecimento inexplicável de Sérgio Moysés. Outra CPI engavetada pretendia apurar a suspeita rescisão do contrato entre a Secretaria de Administração da Bahia e a BrasilSaúde, concessionária que presta seguro-saúde aos servidores públicos estaduais. Nenhuma proposta anda porque os carlistas dominam a Assembléia, com 47 dos 62 deputados. “É incrível o poder do ACM para impedir qualquer investigação envolvendo pessoas de sua família”, afirma o deputado estadual Marcelo Nilo (PSDB). A oposição também pediu à Procuradoria Geral de Justiça a prisão preventiva de Sérgio Moysés, por enriquecimento ilícito e irregularidades, além da indisponibilidade de seus bens e a quebra de seu sigilo bancário. Todos os pedidos continuam dormindo nas gavetas do Legislativo e do Judiciário. Outra tradição da Bahia carlista.


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