Quando chegou em Nova York, em 1971, John Lennon queria uma chance de começar de novo. Parou de cortar os cabelos, de acenar sorrindo para fãs e entrou na onda do Flower Power como um legítimo hippie americano a circular pelas ruas do Greenwich Village com a aura esfumaçada de maconha. O livro “John Lennon em Nova York”, que sai agora em português, esmiuça esta que é a fase menos explorada da vida do filho de um músico bêbado e ausente de Liverpool, que comparou o alcance de sua fama à de Jesus Cristo, mas que em um novo país, queria fazer parte de uma outra onda – ­menos comercial e mais política. Lennon estava apaixonado. Não só por Yoko Ono, a artista plástica de vanguarda que expunha retratos de nádegas da elite intelectual em galerias alternativas. Eles estava encantado também pela sua nova persona pública, de ativista político que pregava o amor livre e o fim das posses, apesar de manter uma nada modesta fortuna em patrimônio na sua Ingleterra natal. Seu lance agora era incorporar causas, como o fim da guerra do Vietnã, a liberação da maconha e a igualdade dos direitos das mulheres. Onde havia um barulho progressista em Manhatan, lá estava Lennon atrás dos óculos redondos que se tornariam sua logomarca pessoal para sempre.

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FLORES E ESPINHOS
Ao chegar aos Estados Unidos no início dos anos 1970 John Lennon
abraçou todas as causas progressistas do momento,
o que irritou o presidente Richard Nixon

Isso incomodou o presidente Richard Nixon, que via no ativista célebre uma força contra a campanha republicana à reeleição. Lennon passou a ser um dos alvos da vigilância do FBI, dirigido então por J. Edgar Hoover e essa é a parte mais interessante da biografia parcial do jornalista James A. Michell.

“A administração Nixon viu inimigos onde não existiam durante um tempo confuso em os EUA”, disse o autor, em entrevista à ISTOÉ. O FBI relatou declarações que nunca foram feitas, como a ameaça de Lennon em atrapalhar a Convenção Republicana de 1972. O livro lista lambanças como relatórios com endereço errado da residência do ex-beatle, documentos em que o bureau se desculpava pela impossibilidade de fotografar Lennon – na mesma semana em que jornais do mundo inteiro mostravam-no circulando pelas ruas da cidade –, ou, ainda, textos em que os agentes de Hoover garantiam que o “radical” nada tinha a ver com protestos contra o o Bloody Sunday, como ficou conhecida a ofensiva do exército inglês contra ativistas da Irlanda do Norte, em janeiro de 1972.

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Na verdade, Lennon e Yoko foram os organizadores e comandaram a parte mais importante da manifestação. O show-protesto encabeçado pelo casal foi realizado – em altíssimo volume – em frente ao escritório da Overseas Airways, em Nova York como mostra a fotografia da AP reproduzida nesta página e publicada no mundo inteiro na ocasião.

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Fotos: Ron Frehm/AP Photo; Bob Gruen; AP Photo