Foi rápido. E intenso. Primeiro, veio o clarão, tão forte como se sol tivesse caído sobre a Terra. Depois, o som, ensurdecedor. Em seguida, uma ventania abrupta, como se um tufão tivesse tocado o solo logo ali ao lado. E então tudo se foi. Telhados, paredes, móveis, pessoas se transformaram em um amontoado de escombros em chamas. “Foi rápido. Só sobrevivi porque depois do clarão meu pai me puxou para debaixo de sua mesa de trabalho. Talvez tenha sido a única coisa naquela sala que não foi levada pela explosão”, conta Kunihiro Bonkohara, de 75 anos, um ex-radialista radicado em São Paulo que vivenciou a mais extrema arma de guerra já criada pela humanidade.

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Bonkohara havia completado cinco anos poucas semanas antes daquela segunda-feira ensolarada de seis de agosto de 1945 na cidade portuária de Hiroshima. Estava especialmente excitado com a expectativa de passar o dia no escritório do pai. Sua mãe tinha trabalhos a fazer no centro da cidade e a irmã mais velha, a escola. Às 8h:15min, poucos minutos depois de Bonkohara e seu pai terem chegado ao escritório, veio o clarão. E o mundo mudou.

A partir daquela manhã, a relação das forças que determinam a ordem econômica e militar do planeta se transformou de forma inexorável. A incrível demonstração de força dos Estados Unidos foi grande o bastante para assombrar um mundo embrutecido, que vinha de uma longa guerra que matara mais de 50 milhões de pessoas em meia década. Apesar de o Japão ter se rendido apenas quase 10 dias depois do ataque a Hiroshima e seis após a devastação atômica que se abateu sobre Nagasaki, o dia seis de agosto marcou de forma definitiva o nascimento uma nova era nas relações políticas, econômicas e militares. Uma só bomba, pesando pouco mais de 4 toneladas e com três metros de comprimento, matou de maneira instantânea 70 mil pessoas apenas em Hiroshima. Cerca de um milhão de pessoas foram afetadas de maneira indelével pelos efeitos e as lembranças daqueles dias.

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História
A cúpula Genbaku foi um dos poucos prédios a ficar de pé no centro de Hiroshima
e hoje suas ruínas se transformaram em um memorial

As sete décadas desde o lançamento da Little Boy (nome “carinhoso” dado à bomba) pelo bombardeio B-29 batizado de Enola Gay foram incapazes de fazer Kunihiro Bonkohara se esquecer daquele dia. “Eu e meu pai estávamos machucados, os cacos de vidro das janelas nos atingiram”, conta o issei septuagenário, em um português claudicante. “Mesmo assim fomos para o centro procurar minha mãe e minha irmã”, diz ele. “Mas apenas encontramos corpos carbonizados, corpos nos rios, corpos empilhados e sendo queimados. A morte estava em todo lugar. Procuramos por tudo, mas jamais soubemos o que aconteceu com minha mãe e minha irmã. Estavam mortas”.

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Bonkohara teve sorte. As bombas despejadas sobre Hiroshima e Nagasaki mataram mais de 240 mil pessoas, a maior parte civis. Outras centenas de milhares sofreram – e ainda sofrem – conseqüências diretas da exposição à radiação. Entre agosto e dezembro de 1945 foram registradas 140 mil mortes ligadas à bomba, sendo que 90% delas ocorreram em um período de apenas 15 dias após os ataques. Quem não morreu nos anos seguintes enfrentou uma série de enfermidades. Bonkohara desenvolveu problemas cardíacos, nunca conseguiu realizar atividades que necessitassem de esforço físico.

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Pessoas como ele, que foram expostas às duas bombas, ganharam o nome de Hibakusha, que em japonês significa algo como “aqueles que foram atingidos pela explosão.” Estima-se que ainda estejam vivos algo perto de 200 mil hibakushas em todo o mundo. No Brasil, mais de 100 deles continuam vivos, porém a maioria com a saúde debilitada. Desde a destruição de Hiroshima e Nagasaki os os hibakushas se transformaram nos principais defensores do banimento das armas nucleares. Muitos deles viajam o mundo, até hoje, fazendo palestras e alertando a humanidade dos horrores de um ataque nuclear. Seus esforços, no entanto, não têm encontrado o eco esperado. Apesar de o mundo jamais ter experimentado outro ataque atômico, ao menos nove países contam, juntos, com mais de 15 mil ogivas nucleares.

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É um arsenal concentrado basicamente em ex-potências nucleares da Guerra Fria, como a Rússia e os Estados Unidos. Mas países menos estáveis e com situação geopolítica mais tensa, como a Coreia do Norte, o Paquistão, a Índia e Israel, também mantêm armas atômicas. Todos esses países dispõem de mísseis balísticos capazes de atacar alvos a centenas de quilômetros de distância. E o pior, a maior parte deles com ogivas que fariam as bombas detonadas em Hiroshima e Nagasaki se parecerem com traques infantis. No último teste realizado pela Coreia do Norte, um dos países mais isolados e atrasados do mundo, sismógrafos japoneses e chineses chegaram a registrar tremores de mais de 5 graus na escala Richter. Algo como um terremoto moderado. Até agora ninguém teve a coragem de disparar uma dessas armas, nem o mais louco dos ditadores. Mas todos eles mantêm suas ogivas prontas para serem usadas a qualquer momento. Como se vê, planeta ainda não está livre do risco de voltar a experimentar o que as populações de Hiroshima e Nagasaki viveram há 70 anos.

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Fotos: EFE/Kimimasa Mayama; EFE/ PEACE MEMORIAL MUSEUM