O Congresso decidiu tirar um velho esqueleto do armário: o uso do mandato parlamentar para proteger quem foge de processos na Justiça. Deputados e senadores farão a partir desta semana uma opção clara: ou mudam o conceito de imunidade parlamentar ou mantêm a impunidade. Na terça-feira 6 de novembro, o presidente da Câmara, deputado Aécio Neves (PSDB-MG), põe em votação o coração do seu pacote ético, apresentado quando a credibilidade do Congresso descia pelo ralo com os escândalos patrocinados por ACM e Jader Barbalho. A emenda constitucional a ser votada estabelece que delitos cometidos antes da diplomação do parlamentar não estarão mais protegidos. Para os crimes comuns cometidos no exercício do mandato, como estelionato ou assassinato, acaba a figura do pedido de licença para o processo – hoje, de acordo com o artigo 53 da Constituição, deputados e senadores não podem ser processados criminalmente sem prévia licença do Legislativo. Se alterado, o processo caminhará normalmente e o Supremo Tribunal Federal terá apenas que comunicar a decisão à respectiva Casa. Aécio Neves diz que é hora de dar um basta à impunidade: “É nossa derradeira chance de recuperar a credibilidade do Congresso perante a sociedade”, avalia. O deputado prevê um efeito dominó com a aprovação do projeto. Se a “nova imunidade”, como é chamada, for aprovada, passa a valer também para as Assembléias Legislativas, que estão longe de ser uma exceção à bandalheira geral.

“Estamos fazendo a mais profunda mudança na história do Parlamento brasileiro nas últimas décadas”, anuncia Aécio. Todas as Cartas brasileiras até hoje, desde a Constituição Imperial de 1832, exigiam a licença de seus próprios pares para processar um parlamentar. O Brasil é o último país onde esse resíduo corporativista permanece. Para enterrar de vez o esqueleto e garantir que a emenda seja aprovada por dois terços dos votos do Congresso, em duas votações, Aécio passou os últimos quatro meses negociando seu pacote ético com todos os partidos. A costura política resultou em uma emenda enxuta, graças à maturidade da maioria dos líderes partidários. Aécio não teme os defensores da imunidade em causa própria: “Não busco mais unanimidade para votar matérias. Se elas são relevantes, eu construo uma maioria e decido no voto”, adverte.

Resistência – De fato, uma minoria entrincheirada em três partidos, o PMDB, o PPB e o PTB, ameaça votar contra a emenda. Um dos políticos protegidos pela imunidade é o deputado Augusto Farias (PPB-AL), acusado de envolvimento na morte de seu irmão, PC, ex-tesoureiro de campanha de Fernando Collor. O processo está parado no STF. Na Câmara, há 40 pedidos do Supremo para processar deputados. Para diminuir a resistência, um outro pepebista, o jurista Ibrahim Abi-Ackel (PPB-MG), foi chamado para redigir o texto. “Fiz um texto palatável e que pudesse ser aceito pela maioria. Não é fácil derrubar uma velhíssima tradição”, ensina Abi-Ackel. “Cada deputado vai botar a sua impressão digital nessa votação. Se quer manter a imunidade como existe hoje, que é a impunidade, ou se quer mudar. Vamos para o voto e cada um que assuma sua responsabilidade”, diz o deputado José Genoíno (PT-SP), que participou da elaboração das novas normas.

Pelo texto que será votado, a imunidade só protegerá crimes de opinião, voz e voto. Nesses casos, é plena. “O parlamentar tem que ter liberdade para poder atuar sem estar constrangido”, explica Aécio. A emenda também cria uma salvaguarda, sugerida pela própria oposição: uma instância de recurso poderá ser usada pelo parlamentar que se sentir vítima de perseguição política ou de armação de algum adversário. Mas, para sustar o processo, ele terá que convencer primeiramente seu partido e depois o plenário, que decidirá em votação aberta. Os líderes Inocêncio Oliveira (PFL-PE) e Jutahy Jr. (PSDB-BA) apostam em uma mudança na qualidade do Congresso e acreditam que as modificações serão sentidas já nas próximas eleições em 2002. Para Aécio Neves, os partidos serão mais criteriosos na hora de filiar seus candidatos. “Não bastará apenas ter um potencial de voto ou estrutura financeira. Nenhum partido vai querer ter em seus quadros um parlamentar que esteja sofrendo um processo e possa depois ser cassado”, acredita. O resto da limpeza fica por conta do eleitor.