Profissionais de saúde ligados às organizações não governamentais que atuam na Amazônia estão preocupados com a falta de proteção contra picadas de cobras, uma ameaça constante. As equipes que cuidam da saúde das populações locais querem ter acesso ao soro em pó, um avanço importante para quem vive na região, onde o socorro costuma ficar a horas de barco dos locais dos acidentes. Fabricado pelo Instituto Butantan, em São Paulo, o novo produto é feito por liofilização (processo de secagem que transforma soro líquido em pó). Uma de suas principais vantagens é a capacidade de ter as características preservadas mesmo em condições não ideais. Enquanto o produto tradicional deve ser conservado sob temperaturas de 4 a 8 graus centígrados para ter validade de 3 anos, o remédio em pó pode ser mantido à temperatura ambiente. Além disso, é do tipo 3 em 1. “O soro liofilizado é eficaz contra o veneno dos três grandes gêneros das cobras mais comuns na região. A eles pertencem a jararaca, a surucucu e a caiçara da Amazônia, entre outras”, explica o professor Rosalvo Guidolin, do Butantan. Já o soro tradicional é feito em três versões, uma para cada família de serpentes brasileiras.

Até agora, apenas cerca de 2,5 mil frascos de soro em pó foram feitos pelo Butantan, a pedido do Exército, para ser usados no atendimento aos soldados. Segundo as ONGs, a produção nacional deveria atender toda a população. Nas estatísticas oficiais, a média nacional de acidentes com cobras é de 20 casos em cada cem mil pessoas. Mas os médicos acham que há mais. “No ano passado, tivemos 76 casos por 100 mil habitantes na nossa área”, garante o médico Milton Schmidt, da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro.

Em geral, as vítimas são atendidas pelos profissionais mais próximos. O problema é que a maioria não tem condições de transportar o soro líquido em baixas temperaturas. E não há certeza quanto à eficácia do remédio fora da geladeira por mais de 48 horas e sob a ação do calor amazônico. O soro em pó elimina essa dificuldade. “O ideal é que os agentes tenham o soro para socorrer rápido e sem risco de o remédio perder a eficácia”, afirma Marina Machado, coordenadora da ONG Saúde Sem Limites.

De fato, carregar o soro liofilizado na mochila aumenta a possibilidade de salvar vidas e de evitar sequelas. “Quando as vítimas precisam ser levadas a um hospital em viagens longas para receber o soro, ficam à mercê da ação do veneno”, explica a enfermeira Laura Fiorim, há três anos na região. Alguns tipos causam hemorragia e a maioria corrói os tecidos no local da picada. Enquanto o produto em pó feito no Brasil não vem, os profissionais e outros habitantes da região compram um soro semelhante feito na Colômbia. O remédio entra no País de maneira clandestina e custa mais barato (cerca de R$ 50 o estojo com 5 ampolas, contra R$ 113 a 120 o kit do soro líquido nacional). O presidente do Butantan, Isaías Raw, diz que o instituto tem condições de começar a produção brasileira. “Precisamos de R$ 300 mil para instalar um liofilizador que já compramos”, explica o pesquisador.