Primeiro, veio o democrata Bill Clinton. Dias depois, foi a vez de o primeiro-ministro britânico, Tony Blair, apreciar as cataratas do Iguaçu. Agora, o convidado é o presidente americano George W. Bush. “As chances de que Bush aceite o convite são mínimas, mas fizemos questão de formalizá-lo”, diz o comerciante Fouad Fakih, uma das principais lideranças da chamada tríplice fronteira, entre a Argentina, o Brasil e o Paraguai. Em vez das belezas naturais, Fakih quer mostrar a Bush que os informes apontando a existência de células terroristas islâmicas na região não têm fundamento. Por quase uma década, agentes dos serviços de inteligência dos EUA e de Israel vêm repetindo o contrário. Com o passar dos anos, as “informações confidenciais” estão virando verdade sem provas. “Há poucos dias, um correspondente do The New York Times chegou em nossa mesquita pedindo o nome e o endereço de terroristas”, relata, indignado, o sheik Taleb Jomha. “Se os agentes americanos dizem que existem terroristas aqui, que identifiquem e prendam os criminosos, para que a comunidade possa viver em paz.” Na semana passada, a Câmara Municipal de Ciudad del Este apelou por escrito aos Estados Unidos para que sejam investigados. No ofício, os vereadores ofereceram até um terreno para que a CIA e o FBI construam suas instalações.

As suspeitas contra a região começaram depois dos dois atentados contra entidades judaicas em Buenos Aires, em 1992 e 1994, e recrudesceram com os ataques em Nova York e Washington em 11 de setembro. O coordenador de combate ao terrorismo americano, Francis Taylor, chegou a dizer na Organização dos Estados Americanos (OEA) que os EUA estão “muito preocupados com os extremistas que operam na tríplice fronteira”. Taylor acrescentou que, no combate a esses terroristas, os americanos estariam dispostos a usar todos os recursos, incluindo, “onde for necessário, o uso da força militar, como estamos fazendo no Afeganistão”.

A advertência de Taylor fez a tensão se espalhar. Muito mais do que improváveis bombas americanas, os moradores de Puerto Iguazú (Argentina), Foz do Iguaçu (Brasil) e Ciudad del Este (Paraguai) temem um agravamento da crise que já assola seus negócios. Baseada no comércio de importados a baixo custo, a tríplice fronteira já convive com a fama de paraíso fiscal e de contrabandistas. Entre os 700 mil habitantes da região não é difícil encontrar estrangeiros em situação irregular. A rede que lhes fornece documentação falsa incluía até o ex-cônsul do Paraguai em Miami Alejandro Weiss, que está sendo processado por vender mais de 300 passaportes e vistos. Sua clientela incluía moradores da fronteira, que, além de 12 mil árabes e seus descendentes, abriga pessoas vindas de outros 50 países. No meio de tamanha diversidade étnica, um estrangeiro pode passar despercebido, seja ele terrorista ou não.

Os responsáveis pela segurança da região descartam, porém, a existência de células terroristas. O delegado-chefe da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, Joaquim Mesquita, não vincula nem as recém-descobertas centrais telefônicas clandestinas com o terrorismo. “É golpe contra empresas telefônicas”, diz Mesquita. O comandante Juan Bautista Barrios, da Gendarmería argentina, lembra que sua rigorosa fiscalização jamais localizou extremistas na área. No Paraguai, o chefe de operações Celso Benitez Oviedo garante não ter informações concretas. “Tio Sam é que diz que aqui tem terrorista”, esclarece.

O Paraguai, porém, foi o único a efetuar prisões relacionadas aos atentados. Das 20 pessoas detidas, 13 já estão em liberdade. O libanês Assad Ahmad Barakat, 31 anos, só não foi preso porque não estava em sua loja quando o comando antiterrorista chegou. Dois empregados seus, ambos libaneses, foram levados. Muçulmano xiita, daqueles que, para não tocar mulheres, as cumprimenta com a mão no peito e um leve inclinar de cabeça, Barakat já teve seu nome vinculado à arrecadação de recursos para grupos extremistas islâmicos em outras ocasiões. “No começo, eu levava essa história na brincadeira, mas agora estou muito preocupado”, diz. Enquanto tenta providenciar a documentação dos empregados e a própria garantia para voltar ao trabalho, Barakat passa os dias em Foz do Iguaçu, onde mora com a família.

Caça às bruxas – Para tentar acalmar a situação, lideranças regionais fundaram o movimento Paz sem fronteiras. Uma de suas primeiras providências foi pedir ajuda ao ministro da Justiça, José Gregori. “É preciso parar com essa caça às bruxas”, defende o ministro. Agora, o grupo está organizando uma manifestação em Foz do Iguaçu no dia 11, para a qual até Bush foi convidado. Moradora da cidade, a egípcia Sahar Abdo Rahmar, 28 anos, não sabia da programação. “Quase não saio de casa”, justifica. Sahar é citada como suspeita nos relatórios dos serviços de inteligência desde que seu marido, El Said Ali Mohamed Mokhles, foi preso, em fevereiro de 1999, ao atravessar a fronteira do Brasil com o Uruguai, a 600 quilômetros dali, usando um passaporte falso.

Embora Mokhles seja acusado de participar de atentado que matou 62 pessoas no Egito, em 1997, o Uruguai se recusa a extraditá-lo para o Cairo antes de receber provas de seu envolvimento no crime. Usando uma veste surrada azul petróleo, Sahar recebeu a reportagem de ISTOÉ no apartamento modesto que mora, de favor, com os três filhos – de três, cinco e sete anos. Garante que nunca havia ouvido falar em Osama Bin Laden até que começou a ser vinculada ao saudita. “Estou no limite”, diz baixinho. “Qualquer dia chegam com a notícia de que morri e aí vou ter de morrer.”