O homem que tem no currículo a criação da Embraer e a colocação dos aviões brasileiros no mercado internacional aposta em um novo desafio: salvar a Varig. A dívida da companhia, de R$ 3,7 bilhões, não assusta o engenheiro Ozires Silva, 70 anos. Presidente da maior empresa de aviação da América Latina desde maio do ano passado, ele faz uma reformulação na Varig e anuncia a renegociação dos contratos de aeronaves para enfrentar a crise mais grave da história do setor. O total da dívida das empresas brasileiras chegou em outubro a US$ 5 bilhões. As companhias têm dívidas com fabricantes e empresas de leasing de aviões, com a Infraero, a Receita Federal, o INSS e fornecedores de diversos produtos.

Entre as grandes, a TAM é a única que fechou o primeiro semestre com patrimônio líquido positivo. No mesmo período, a Varig teve um prejuízo de R$ 508 milhões e fechou o primeiro semestre, segundo o Departamento de Aviação Civil (DAC) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), com um patrimônio líquido negativo de R$ 658 milhões. A Vasp, com uma dívida de R$ 2,4 bilhões, terminou o primeiro semestre com patrimônio líquido negativo de R$ 92 milhões. É dificílima a situação da Transbrasil, que, no mesmo período, teve um resultado negativo de R$ 59 milhões, com dívida de mais de R$ 1 bilhão.

Ozires Silva, porém, não quer saber de falar em crise. “Há momentos em que surge a chance de mudar a cultura”, diz. Ele se refere ao controle exercido pelo governo na indústria de transporte aéreo. “Infelizmente, temos uma regulamentação hostil ao setor, com um nível de tributação extremamente elevado”, diz. Neste momento, o presidente da Varig lidera uma virada de mesa nas regras estabelecidas pelo governo para a aviação. Em entrevista a ISTOÉ, Ozires Silva disse que, por culpa do governo, a aviação comercial brasileira tem apenas 1,4% do mercado mundial. Um cisco.

ISTOÉ – A crise atual pode contribuir para a modernização da aviação?
Ozires Silva – O governo, enfim, compreendeu o impacto do problema do controle da burocracia estatal. Esta pode ser uma chance de se criarem medidas capazes de dar à aviação maior competitividade nos vôos internacionais. Somos muito menores do que seríamos se houvesse uma parceria forte entre as empresas de transporte aéreo e as autoridades reguladoras brasileiras.

ISTOÉ – Como as empresas podem ser mais competitivas?
Ozires – Com um sistema que regule o transporte aéreo mais ou menos coerente com as regras dos Estados Unidos, da Europa e da Ásia. Atualmente, operam no Brasil 16 empresas estrangeiras que em seus países têm condições de regulamentação, tributação, pagamento de taxas completamente diferentes dos nossos. Por isso, já ouvi pessoas admitirem que preferiam voar por uma empresa brasileira, mas fazem a opção pela American Airlines, a Lufthansa ou a Air France pelo preço.

ISTOÉ – O problema é a carga tributária de 36%, maior do que a americana, de 8%, e a européia, de 16%?
Ozires – É consequência da cultura da interferência estatal. É incrível que um país com 8,5 milhões de quilômetros quadrados não reconheça a aviação como um grande negócio e grande gerador de empregos.

ISTOÉ – Qual deveria ser a função do governo no setor?
Ozires – Meu conceito fundamental é simples: o governo deve regular e fiscalizar as companhias. No projeto de lei que o governo enviou ao Congresso para a criação da Agência Nacional de Aviação contei 28 verbos restritivos. Não precisa tudo isso. Bastam dois: regular e fiscalizar.

ISTOÉ – Além da demissão de 1.800 funcionários, a Varig vai renegociar contratos e reduzir o número de vôos?
Ozires – A renegociação é normal. Quanto à redução da oferta de vôos no mercado doméstico, não. No internacional, sim. Houve neste ano uma redução da demanda de 30% nos Estados Unidos e de 10% na Europa.

ISTOÉ – Qual a participação dos Estados Unidos no faturamento da Varig?
Ozires – Representa 30%, e a queda que ocorreu naquele mercado dá uma redução de 10% em nosso faturamento. Em termos de passageiro/quilômetro estamos calculando para dezembro uma queda de 11% na aviação internacional e algo em torno de 9% em faturamento.

ISTOÉ – As empresas estão pedindo apoio financeiro do governo?
Ozires – Não. Apenas condições de competitividade. O nosso custo de infra-estrutura é onerado com uma taxação de 50% sobre a tarifa aeroportuária. Não existe em nenhum lugar do mundo e nos coloca em flagrante desvantagem. Nos EUA há 5% de tributação de combustível. Nós temos 40%. Com essa tributação direta, o resultado para o governo é muito menor do que seria através da tributação indireta, se tivéssemos infra-estrutura barata, eficiente, menos carregada de impostos.

ISTOÉ – A fusão de empresas é viável?
Ozires – O Brasil tem 1,4% do mercado mundial. Há 21 empresas de transporte aéreo no País. Duas estão no mercado externo. É uma forma pouco inteligente de distribuir a escassez. As empresas têm de ter escalas econômicas, senão todas vão viver quebradas. Se o projeto for de fusão, como eu imagino que deva ser, por que o governo continua aprovando a criação de empresas? Para fundir depois? E estão previstas mais duas. Criam-se empresas e depois determinam que as empresas façam fusões.

Cresce a família Embraer

Um mês depois de anunciar a demissão de 1.800 funcionários, as ações da Embraer voltaram a brilhar no ranking de altas da Bolsa de Valores de São Paulo. Na segunda-feira 29, quando a companhia anunciou um novo modelo da família de jatos comerciais de pequeno porte, o Embraer-170, com capacidade para 70 passageiros, suas ações subiram 3,3%, indo para R$ 12,35. É o primeiro jato comercial da linha 170/190 e custará US$ 24 milhões. Também foi anunciado o desenvolvimento do Embraer-175, com 78 lugares. No mesmo dia, a companhia aérea suíça Crossair surgiu como a principal cliente da nova linha de aviões da Embraer, com encomendas que passam dos US$ 2 bilhões, segundo o presidente do conselho, Moritz Suter. “É o maior pedido na vida da Crossair”, disse o executivo em entrevista à imprensa em São José dos Campos, interior de São Paulo, onde fica a fábrica da Embraer.

Suter encomendou 30 unidades do Embraer-170 e outras 30 do Embraer-195 (108 assentos), mais 100 opções de compra de ambos os modelos. Além disso, a Crossair pediu 25 unidades do avião de maior sucesso da Embraer, o ERJ 145 (50 assentos), e 15 opções de compra. A nova família de produtos da Embraer está sendo desenvolvida em parceria com alguns dos principais fabricantes internacionais de equipamentos aeronáuticos. Na parte estrutural, participam do programa a Kawasaki Heavy Industries, do Japão, a belga Sonaca, a francesa Latécoère e a empresa Gamesa, da Espanha. Os interiores são fornecidos pela americana C&D Aerospace. Os principais parceiros de sistemas são a GE, a Hamilton Sundstrand, a Honeywell e Parker, além da alemã Liebherr que, a exemplo da Sonaca e da C&D, optou por se instalar no Brasil para nacionalizar parte de seu fornecimento. O orçamento do programa – que inclui também o Embraer-195 – é de US$ 850 milhões. O Embraer-170 foi projetado e fabricado no prazo de 28 meses. Segundo as expectativas da empresa, o potencial de exportação da nova família de jatos poderá atingir US$ 15 bilhões nos próximos dez anos. Segundo a empresa, seriam gerados três mil empregos diretos no Brasil.