O anúncio do oitavo pacote econômico da Argentina já foi divulgado pelos jornais locais, mas ainda não decolou. O presidente Fernando De la Rúa passou a quarta-feira 31 inteira em reuniões com o ministro da Economia, Domingo Cavallo, para tentar convencer governadores, sindicalistas e outras lideranças políticas a aderir ao novo plano. Primeiro, eles apresentaram as novas medidas aos peronistas. Ninguém comentou nada. Depois, foi a vez de a equipe do presidente se reunir com os governadores da Aliança. E aí o diálogo emperrou: uma discussão acalorada entre o ministro Cavallo e o governador de Chaco, Ángel Rozas, travou as negociações com todas as outras províncias. Rozas apresentou uma proposta relativa ao repasse de verbas federais para as províncias, consenso entre todos os governadores. O ministro tentou fazer modificações para que o documento ficasse de acordo com o pacote de medidas econômicas, e aí não é difícil adivinhar o que aconteceu: as negociações foram adiadas para que o governo tente mais uma vez convencer os governadores a aceitar uma redução do repasse de verbas, hoje de US$ 1,4 bilhão por mês.

A situação está tão complicada que, na noite de terça-feira, De la Rúa chegou a afirmar que a reestruturação da dívida argentina já conta com o aval do Tesouro americano e do FMI. Um dia depois, o secretário do Tesouro dos EUA, Paul O’Neill, disse ser improvável que seu país apóie a Argentina, que prepara uma troca da dívida para evitar a moratória com o objetivo de obter nova ajuda financeira do FMI.

Segundo o diário Página 12, a “surpresa” guardada pelos técnicos do governo é a reestruturação geral da dívida, interna e externa, de US$ 130 bilhões, o item mais polêmico do plano. Em relação à dívida externa, a idéia é aumentar prazos e reduzir juros. De la Rúa diz que essa renegociação será discutida com os credores, e não imposta. Mas os analistas não acreditam que as coisas correrão dessa maneira. O mesmo raciocínio vale para a dívida interna. Grandes fundos de pensão e bancos oficiais, principais credores internos do governo, terão de aceitar algum prejuízo.

É um meio calote. Traduzida para a vida real, a idéia do governo é oferecer aos credores uma nova dívida com um custo mais baixo que o atual, agregando garantias através de organismos e governos internacionais. Na avaliação do relatório diário do Bicbanco, “a troca seria voluntária em termos, já que para os credores praticamente não haveria alternativa porque a dívida, no nível que se encontra, é impagável”.

As medidas sociais incluem uma ajuda aos setores mais carentes da população, que receberiam subsídios diretos de acordo com o número de filhos. Pessoas com mais de 70 anos, sem aposentadoria, devem receber uma ajuda de US$ 100 por mês. As pequenas e médias empresas exportadoras estarão livres do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). O maior problema aí é que o governo federal não está em condições de abrir mão de receitas. Ao contrário. Justamente por isso o pacote deverá incluir um novo corte de gastos de pelo menos 30% para todos os ministérios.

Pobre Argentina ou Argentina pobre? A tormenta financeira vem corroendo os empregos e reduzindo o valor das principais empresas do país a níveis que não eram registrados desde a introdução do regime de conversibilidade, em 1991. Está tudo dando errado por lá. As chuvas recentes deixaram oito mil pessoas desabrigadas. Uma ameaça de bomba, terça-feira, 30, suspendeu as negociações da Bolsa. Um dia antes, um relatório confidencial da Kroll, empresa na área de avaliação de riscos, alertava seus clientes empresários sobre “o alto perigo de um ataque terrorista na Argentina”, recomendando não viajar para o país. Outra pancada da semana: o risco-país deu aos argentinos o pior recorde mundial na quarta-feira 31: 2.123 pontos, o maior nível desde março de 1995.

Só falta o jogo de homenagem a Maradona, dia 10 de novembro, ser um fiasco. O maior ídolo dos argentinos engordou muito, mas não perdeu a pontaria: “O Cavallo mandou o país para a quarta divisão.” Um doutor em economia jamais encontraria tradução tão perfeita para a situação da Argentina.