les já foram xingados de tudo quanto é nome até mesmo por gente tão poderosa como o empresário paulista Antônio Ermírio de Moraes, dono do grupo Votorantim e um dos homens mais ricos do País. Escorchantes, pornográficos, exorbitantes, dignos do mais safado dos agiotas. Nada parece adiantar: os juros no Brasil continuam entre os mais altos do mundo e o governo não parece disposto a baixá-los. Na verdade, só caem quando se trata de remunerar a caderneta de poupança, o outro lado dessa moeda. A comparação entre o que pagou a caderneta e o que os bancos cobraram no cheque especial, do início do Plano Real até hoje, é assustadora: quem depositou R$ 100 em agosto de 1994 tem hoje na poupança R$ 324,20. O infeliz que entrou no especial, emprestando a mesmíssima quantia do banco, está falido: deve hoje R$ 160,2 mil (veja tabela abaixo). O cálculo tem circulado pela internet e muita gente que recebeu o e-mail pode ter achado exagerado. Não é, garante o economista Alberto Borges Matias, professor da USP e diretor da consultoria ABM Consulting, que checou os números, utilizando a taxa média do cheque especial, divulgada mensalmente pelo Banco Central.

Só quem sentiu na pele o drama do cheque especial sabe o que isso significa. “De uma hora para outra, o juro subiu e virou uma bola de neve. Você vê todo o seu patrimômio indo embora. Fiquei sem crédito com os fornecedores, tiraram meu talão de cheque, atrasei impostos”, diz um comerciante do interior de São Paulo, que prefere não se identificar. Especializado em construção civil, ele devia ao banco R$ 70 mil em março de 1995. Em agosto do mesmo ano, sua dívida somava R$ 142 mil e a tal bola de neve não parou mais de crescer. Aceitou a proposta do banco para trocar a modalidade do crédito, de cheque especial para uma operação de crédito direto. Detalhe: precisaria agora de um fiador, papel assumido pelo sogro. A essa altura, a dívida já superava R$ 200 mil e, claro, só crescia. Acionado na Justiça pelo credor em agosto de 1998, levou mais um susto com o valor cobrado: R$ 1,180 milhão. “Além dos juros, estavam me cobrando todas as tarifas, honorários dos advogados e custas do processo”, conta o comerciante. Achou que era melhor fazer um acordo, pelo qual se comprometeu a pagar R$ 450 mil. Pagou R$ 400 mil com a ajuda do bendito sogro e o restante está pagando parcelado. Se tudo der certo, estará livre da encrenca no final de 2002.

Vítima do mesmo “rolo compressor”, o paulistano Clóvis Bagarollo, ex-proprietário de uma malharia, viu encerrada uma carreira de 22 anos como empresário quando seu nome entrou na lista do Serasa, depois que o banco resolveu protestar um título seu. Foi o resultado de uma dívida que já começou salgada, em R$ 1 milhão, três anos depois bateu os R$ 6 milhões e hoje soma R$ 12 milhões. A proposta do banco para acertar o caso foi quase um mea-culpa. Aceitaria R$ 391 mil para quitar uma dívida declarada àquela altura de R$ 3,7 milhões. Bagarollo preferiu brigar na Justiça. “O banco sepultou 22 anos da minha vida profissional. Fiquei sem credibilidade, tive de vender o maquinário para pagar os 50 funcionários e mudei de ramo”, diz.

Concentração – Na raiz do problema, dizem os especialistas, está a chamada política monetária restritiva adotada pelo governo Fernando Henrique Cardoso. Em bom português, cobrar caro pelo dinheiro para desestimular o consumo de pessoas físicas e de empresas. “É uma política perversa, resultado da incompetência e da irresponsabilidade das autoridades econômicas”, diz o economista e professor-titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Reinaldo Gonçalves. Irresponsável, diz o economista, por ter optado por levar os juros às alturas sempre que os investidores ficavam nervosos, o que aconteceu com maior intensidade durante o primeiro mandato de FHC, quando o sistema de bandas cambiais manteve o real artificialmente valorizado em relação ao dólar à custa dos juros estratosféricos. E incompetente porque não conseguiu pôr um freio no apetite dos bancos instalados no País. “A margem de lucro dos bancos é altíssima e tem a ver com o pequeno número de bancos que dominam o mercado”, avalia o economista.

Essa concentração também explica por que os bancos aumentam com tanta facilidade o preço dos serviços prestados. Levantamento feito pelo Procon de São Paulo constatou que nos meses de setembro e outubro 49 tarifas sofreram alteração. Foram 41 aumentos contra oito reduções. Com isso, aumenta o chamado spread bancário, a diferença entre o que o banco paga de rendimentos e o que cobra dos seus clientes. “É um absurdo o que acontece no sistema financeiro nacional. Não é à toa que os cheques sem fundos, que eram 10,8 milhões em setembro de 1995, hoje somam 25 milhões. As pessoas não têm como pagar”, diz o advogado Joaquim Ernesto Palhares, especializado em direito bancário e responsável pelo caso do empresário Clóvis Bagarollo. “A saída é o Código de Defesa do Consumidor, segundo o qual o juiz precisa restabelecer o equilíbrio do contrato quando é impossível cumpri-lo”, afirma o advogado. Mas também é verdade que recorrer à Justiça é sempre algo demorado, muitas vezes dispendioso e de resultado incerto.

Lucrando alto nos empréstimos e nos juros pagos pelo governo federal, de um lado, e cobrando caro as tarifas e pagando rendimentos modestos, de outro, os bancos que operam no Brasil não querem outra vida. Só no primeiro sesmestre deste ano lucraram R$ 4,9 bilhões, um resultado médio duas vezes maior que o do ano passado. Se melhorar, estraga.