Se cada vez sobra menos tempo para o almoço e até os finais de semana são cheios de compromissos, ir à igreja passou a ser um programa tão custoso para os católicos que mesmo o praticante mais fervoroso se ressente por não frequentá-la com a intensidade que gostaria. Mas Nossa Senhora não pode esperar. Ela faz questão de ir à montanha, ou melhor, às casas dos fiéis. Há hoje uma infinidade de imagens feitas para circular pelo mundo, trocando o altar das igrejas pela mesa de jantar ou a cômoda da sala de visita. São as chamadas santas peregrinas.

De todas, a Mãe Três Vezes Admirável de Schoenstatt é a mais difundida. Estima-se que 3,6 milhões de lares brasileiros sejam honrados mensalmente com a visita de capelinhas idênticas, padronizadas de acordo com uma gravura do século XIX. A campanha foi instituída em 1950 pelo leigo João Luiz Pozzobon, no Rio Grande do Sul, dando continuidade à obra social iniciada em 1914 pelo padre alemão José Kentenich, na pequena cidade de Schoenstatt. Com um nome tão extenso e complicado, a santa foi carinhosamente apelidada simplesmente de Mãe Peregrina.

Sua imagem cumpre um cronograma rígido. Permanece 24 horas na casa de cada uma das 30 famílias que integram o grupo e ainda exige que o transporte entre elas seja feito a pé. Aliás, as normas de preservação são severas: a imagem deve ser carregada de frente, na altura do peito, nunca em sacolas ou por crianças. Em casa, seu altar deve ser iluminado, revestido por uma toalha branca e rodeada de flores naturais. Só no bairro de São Benedito, em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte, existem 70 capelinhas andarilhas, ou seja, 210 famílias anfitriãs. Uma delas, sob a coordenadoria de Maria Francisca de Oliveira, 73 anos, a Dona Lica, visita mensalmente a casa de Vanda Camelo Rodrigues, 61. Na noite em que a imagem chega, ela reúne toda a família para rezar o terço. “O dia do recebimento é sagrado. Deixo de ir a qualquer lugar para esperar a imagem chegar”, diz.

A popularidade da imagem da Mãe Peregrina só vem crescendo no Brasil. No entanto, o costume de levar Nossa Senhora é português, associado normalmente à devoção a Nossa Senhora de Fátima, como explica Antônio Bogaz, pároco de Nossa Senhora de Achiropitta, em São Paulo. A própria Nossa Senhora de Achiropitta costuma deixar a igreja para fazer visitas aos moradores da colônia italiana da Bela Vista, principalmente em maio (mês de Maria), agosto (festa em homenagem à padroeira) e outubro (mês do missionário). “Esse costume é uma referência ao episódio da visitação, quando Maria vai cumprimentar sua prima Isabel, grávida de São João Batista. Maria leva Jesus no ventre e sua visita é considerada a primeira ação missionária da Igreja”, explica Padre Bogaz.

Enquanto Mãe Peregrina e Nossa Senhora de Achiropitta circulam entre as casas dos fiéis de um mesmo bairro ou rua, algumas imagens cumprem roteiros mais longos. É o caso da imagem de Nossa Senhora do Carmo, que tem peregrinado por diversas cidades brasileiras desde o dia 23 de março, quando saiu de Brasília. No sábado 27, a imagem de 60 centímetros chegou a São Paulo, onde foi recebida por milhares de fiéis no Santuário do Terço Bizantino. Padre Marcelo Rossi celebrou missa em sua homenagem. Com a peregrinação da santa, comemora-se o aniversário de 750 anos do escapulário, pequeno bentinho de lã usado no pescoço e adotado com fervor pelos surfistas. Conta-se que Nossa Senhora prometeu proteção a quem o usasse em uma aparição a São Simão Stock, superior da Ordem do Carmo da Inglaterra, em 1251. A imagem fica em São Paulo até o dia 24 de novembro e segue sua jornada, com final programado apenas para março do próximo ano.

Ao contrário do rígido cronograma cumprido por Schoenstatt, a imagem de Nossa Senhora do Carmo não tem tempo certo para ficar em cada casa. Da mesma forma, as imagens de Nossa Senhora da Rosa Mystica permanecem na casa do fiel durante o tempo necessário. Uma delas está há 20 dias na casa de Terezinha Macedo Penha, 57 anos, em São Paulo, e não tem prazo para ir embora. “Disseram que a própria santa vai avisar quando for a hora de partir”, explica ela. Em sua casa, a missão da Virgem é específica: proteger e ajudar José Augusto, 20 anos, filho de Terezinha e vítima de câncer. Apesar de desenganado pelos médicos há três anos, o jovem vem respondendo positivamente ao tratamento e cada cirurgia é uma vitória. Em outubro, tirou um tumor do cérebro e outro da medula e continua acompanhando a mãe na reza diária do terço. “Uma imagem da Rosa Mystica ficou em casa há uns dois anos e, no momento em que ela entrou, senti algo especial. Assim que pude, fui visitar o santuário nacional da Rosa Mystica, em Jambeiro (interior de São Paulo)”, conta José Augusto. “Antes, nunca havia ligado para religião”, confessa.

Nossa Senhora da Rosa Mystica apareceu em 1947 para a italiana Pierina Gilli trazendo três rosas no peito, uma de cada cor, representando a oração, o sacrifício e a penitência. As primeiras imagens peregrinas chegaram ao Brasil há dez anos. Seu maior divulgador foi o alemão Horst Meering, que curou um câncer no pescoço enquanto rezava para ela. Cálculos do santuário central indicam a existência de duas mil imagens no País. Pouco, comparado às 120 mil imagens de Nossa Senhora de Schoenstatt em atividade, mas uma enormidade diante das 80 imagens de Nossa Senhora da Visitação. É esta a maior novidade em imagens peregrinas no Brasil, onde chegou há menos de três anos. Instituída em 1995 por um grupo de empresários franceses, a peregrinação da imagem tem sido feita pelos cinco continentes, difundindo a reza do terço. Já existem 70 mil em todo o mundo. O casal Gilberto e Maria Inês Ferlin coordena a agenda de uma delas, a primeira a chegar a São Paulo, em maio. “Estou pedindo pelo menos mais duas imagens para dar conta de atender à demanda de fiéis que solicitam uma visita”, conta Gilberto. Sua Notre-dame de la Visitation costuma ficar entre cinco e sete dias em cada casa. É ele quem leva e busca em domicílio o caixote com a imagem, toda branca, de Nossa Senhora com o Menino Jesus nos ombros. Na mão direita do Menino, um ramo dourado representa a paz. Em tempos de guerra e antraz, quem não gostaria de receber em casa esta santa visita?