A pesquisadora de Harvard diz que sematender a demandas sociais não há comoevitar a propagação de grupos terroristas

Diz-se que o terrorismo não tem rosto. Sorrateiro, esgueira-se no limbo das ações proscritas e condenadas pela chamada civilização. No entanto, os terroristas são pessoas aparentemente comuns que escolhem o caminho da violência. Durante quatro anos, a professora e pesquisadora da Universidade de Harvard Jessica Stern entrevistou e conheceu algumas dessas pessoas, transformadas em “inimigo sem rosto”. Foram mais de 100 entrevistas com lideranças terroristas de todo o mundo, principalmente da Indonésia, da Índia, do Paquistão, de Gaza, da Cisjordânia e dos EUA – sim, eles também têm os seus homens-bomba. De Abdel Aziz al-Rantissi (líder do Hamas morto pelo Exército israelense no ano passado) a Michael Bray, pastor luterano que apóia o ataque a clínicas de aborto e o assassinato de médicos nos EUA, Stern tentou desvendar as raízes do terrorismo de fundo religioso. Segundo ela, para se combater o mal, primeiro é preciso conhecê-lo.

O resultado do mergulho de Jessica Stern no submundo do terrorismo está no livro Terror em nome de Deus – por que os militantes religiosos matam (Editora Barcarolla, 2004), best-seller imediato nos Estados Unidos pós-11/9. Formada em química, no Barnard College, com mestrado pelo MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts) e doutorado pela Harvard University, Jessica Stern é uma das maiores especialistas em terrorismo e armas de destruição em massa do mundo. A seguir, os principais trechos da entrevista que a professora da Universidade de Harvard concedeu a ISTOÉ:

ISTOÉ – Como a sra. analisa o atentado que matou o ex-primeiro-ministro do Líbano, Rafik Hariri?
Jessica Stern

Os assassinos, sem sombra de dúvida, queriam tirar Hariri do cenário antes das eleições que acontecem em maio. Ainda não dá para dizer
se há alguma conexão com o Hizbolá (grupo radical xiita libanês apoiado pela Síria). O que se sabe é que os extremistas disseram que puniram o ex-primeiro-ministro por suas ligações com a Arábia Saudita. Hariri renunciou em outubro do ano passado em razão de uma disputa interna no governo. Ele queria a retirada das tropas sírias do Líbano.

ISTOÉ – A sra. acredita que a guerra do Iraque transformou o país num pólo do terrorismo?
Jessica Stern

Não importa o que venha a acontecer no futuro, mas o fato é que a invasão do Iraque propiciou o surgimento de um novo tipo de terrorista que acumulou muito mais experiência. Esses terroristas são uma combinação de criminosos comuns, ex-soldados da guarda pessoal de Saddam Hussein, membros dos serviços de inteligência e militantes islâmicos radicalizados que vêm do mundo inteiro para o Iraque. A troca de experiência entre eles é definitiva para entender os novos crimes de terrorismo no mundo. Ainda não dá para saber exatamente como esses novos grupos agem, mas eles estão assumindo atentados conjuntamente. Uma das situações em que vemos vários grupos de terroristas agirem juntos é nos sequestros de estrangeiros.

ISTOÉ – Então a política de George W. Bush no Iraque contribuiu para o aumento do terrorismo?
Jessica Stern

Foi o próprio Osama Bin Laden quem disse isso. Ele agradeceu ao presidente Bush, dizendo que a invasão do Iraque e a má performance da economia americana o ajudaram. Agora, se formos invadir outro país muçulmano, como o Irã, Bin Laden poderá agradecer novamente a Bush. Às vezes, uma resposta violenta aos ataques pode levar à formação mais rápida de outros terroristas, como aconteceu no Iraque. A invasão foi um desastre, um grande erro do governo americano, porque, até então, o país não tinha nada a ver com o terrorismo internacional. E agora tem. Apesar disso, Bush vem mudando sua abordagem depois que assumiu o segundo mandato. A Casa Branca admite agora que não é mais possível agir unilateralmente, como fez no Iraque, quando os EUA chegaram a ofender os aliados ocidentais. O nível de arrogância era altíssimo, mas hoje já percebemos uma mudança. Washington agora diz que precisa de seus aliados. Para combater o terrorismo, os EUA precisam da cooperação de todos os governos, porque este é um fenômeno ao mesmo tempo global e nacional.

ISTOÉ – Os terroristas que sequestram estrangeiros no Iraque o fazem por quais razões: políticas, ideológicas ou por dinheiro?
Jessica Stern

Por todas essas razões. Provavelmente, ao menos em um futuro próximo esses sequestros deverão continuar. Mas não podemos confundir o criminoso que sequestra pessoas no Iraque com os muçulmanos comuns que gostariam de viver em uma sociedade islâmica. Alguns radicais preferem matar para chegar a uma sociedade islâmica, outros não. É preciso fazer uma distinção entre os terroristas e os muçulmanos contrários à violência, mas que desejam um Estado islâmico.

ISTOÉ – Por que uma pessoa se torna um terrorista?
Jessica Stern

Pelos mesmos motivos do sequestro: dinheiro, ideologia ou religião. No início de minhas pesquisas, eu acreditava que os terroristas ingressavam nessas organizações apenas por convicções religiosas ou ideológicas. Mas depois eu descobri que existe uma gratificação emocional quando o indivíduo recebe uma nova identidade dentro de uma organização. É muito compensador ter uma identidade, ser reconhecido depois de ter sido severamente humilhado. Mas existem também aqueles que fazem atentados por dinheiro. Para estes, quanto maior for o pagamento que recebem, mais importantes se sentem. Afinal, os rendimentos de um terrorista em um país de Terceiro Mundo correspondem aos de um gerente de grande empresa. Há muitos membros de grupos extremistas que deixam suas organizações porque não conseguem fazer muito dinheiro, mas também tem aqueles que se decepcionam com seus líderes. E alguns terroristas nunca deixaram de ser terroristas, até porque não temos a capacidade de mudar a cabeça deles. Essa mudança, se houver, será interna, virá deles mesmos.

ISTOÉ – Em seu livro, Terror em nome de Deus, a sra. diz que quando os governos não dão conta de atender às demandas sociais abre-se um espaço para as práticas terroristas. Como se dá isso?
Jessica Stern

O Hamas (Movimento de Resistência Islâmica, grupo palestino da Cisjordânia), por exemplo, criou e mantém uma extensa rede de serviços sociais para a população palestina carente. Quando o Estado não se faz presente entre os despossuídos, abre-se espaço para o terrorismo, que usa esse sistema de proteção social para recrutar militantes. Essa idéia parece ser um tanto de esquerda, mas não é. É o mesmo sistema usado pelas gangues americanas.

ISTOÉ – Por falar nisso, como a sra. vê os grupos Hamas e Jihad?
Jessica Stern

Quanto mais se avança no processo de paz, maior a chance de novos atentados, dos dois lados. Frequentemente notamos nas negociações para a paz que alguns membros das organizações terroristas desistem dos métodos violentos. Eles dizem assim: “Tudo bem, eu desisto do terrorismo, já fiz a minha parte.” Mas outros, os chamados terroristas “profissionais”, ficam furiosos e preferem não abandonar esses métodos. Vimos isso acontecer com o Exército Republicano Irlandês (IRA). Não podemos nos esquecer que há radicais dos dois lados: dos palestinos e dos israelenses. Judeus extremistas, como alguns colonos, são contrários ao desmantelamento dos assentamentos nos territórios palestinos. Eles já se envolveram em pequenas batalhas com as Forças de Defesa de Israel e a tendência é que isso continue.

ISTOÉ – Como são formados os novos grupos do terror?
Jessica Stern

Hoje, uma maneira importante de atrair jovens para essas organizações é através da internet. Esse método está se tornando bastante comum. E isso não acontece apenas com o recrutamento da rede Al-Qaeda de Osama Bin Laden ou uma organização terrorista em especial. Estamos notando o surgimento de um grande movimento terrorista mundial que não é apenas composto por grupos armados como o Taleban ou o Jihad. Assistimos ao surgimento de pequenas células terroristas espalhadas pelo mundo. Em muitos casos, esses grupos se autofinanciam, até porque ataques terroristas que usam homens-bomba, por exemplo, não demandam muita verba. A não ser em grandes ataques como o
do 11 de setembro, em que foram necessários muito dinheiro e muito planeja-
mento, fazer terror hoje é barato. Por outro lado, é interessante notar que, à me-
dida que os extremistas vão envelhecendo, se torna maior a tendência de eles trocarem os métodos violentos pela ação política. Por isso, geralmente as ações terroristas são executadas por jovens,

ISTOÉ – Como está a rede Al-Qaeda hoje? E como vê a atuação de Abu Mosab al-Zarqawi (suposto representante de Osama Bin Laden no Iraque)?
Jessica Stern

É muito difícil dizer o que é a rede Al-Qaeda hoje. Temos informação de que paquistaneses estão indo para o Iraque como membros da rede. Mas, sinceramente, acho que ninguém sabe ao certo quem são os novos integrantes da Al-Qaeda. Até porque existem voluntários para realizar atentados no mundo inteiro em nome da Al-Qaeda, sem exatamente pertencer à rede. O que podemos dizer com certeza é que hoje a Al-Qaeda se transformou em um grande movimento. Quanto a Al-Zarqawi, ele afirma estar trabalhando pelos objetivos da Al-Qaeda. Não sabemos exatamente se isso é verdade, porque não há como comprovar que ele foi aceito por Osama Bin Laden como um dos líderes da organização. Foi o próprio Zarqawi que anunciou essa aliança e não sabemos se ela é verídica.

ISTOÉ – Governos como os do Irã e do Paquistão apóiam grupos terroristas?
Jessica Stern

Não sei muito sobre o Irã, mas minha intuição é de que há espaço para esse apoio. Em muitos governos, existem departamentos, ministérios ou secretarias que fomentam mercenários ou terroristas. Geralmente, são subgrupos dos serviços de inteligência. Isso não se observa apenas no Irã e no Paquistão, mas também na Indonésia. O governo diz que tem uma política anti-terror, mas parte de seu serviço de inteligência está operando de forma contrária. Às vezes isso é de conhecimento governamental e às vezes isso é feito de maneira obscura. Na Indonésia, além do serviço de inteligência, setores da polícia estão apoiando grupos terroristas. E esse é um jogo muito perigoso.

ISTOÉ – Que situações são mais propícias para o desenvolvimento do terrorismo?
Jessica Stern

Sabemos que a pobreza, por exemplo, pode ser uma razão para o crescimento do terrorismo em um país, mas não necessariamente em todos. É mais difícil o terrorismo se desenvolver nas autocracias e nas democracias. Paradoxalmente, o terrorismo tende a florescer em democracias que se tornam autocracias ou em regimes autoritários que estão se democratizando. Existem várias teorias que explicam o porquê desse fenômeno. Num país que está iniciando um processo de democratização, costuma ser bastante alto o nível de frustração, daí o clima para ações violentas. Já nas autocracias é mais fácil conter o terrorismo dentro das fronteiras desse país do que fora dele. Hoje o terror tornou-se um produto de exportação de alguns países, como o Egito. O governo egípcio conseguiu controlar o terrorismo em seu território, mas não pôde impedir que terroristas egípcios agissem em outros locais. Esses terroristas acham mais fácil combater um inimigo externo, como os Estados Unidos, do que ter que enfrentar seu próprio governo que consideram ser anti-Islã. É mais fácil crucificar os Estados Unidos, um aliado do governo egípcio, do que enfrentar a administração do presidente Hosni Mubarak, por exemplo. Mas se houver uma abertura do regime egípcio, certamente surgirão atentados dentro do país. O mesmo acontece com a Arábia Saudita.

ISTOÉ – A sra. acredita que o terrorismo tende a crescer no futuro?
Jessica Stern

Sim, o terrorismo só tende a aumentar. Não há como derrubar os Estados Unidos por métodos convencionais…

ISTOÉ – E quais são as maneiras para se combater o terrorismo?
Jessica Stern

Não podemos eliminar todos os terroristas do mundo. Por isso, temos que nos preocupar com quem se torna terrorista. Se prestarmos mais atenção ao fato de o Ocidente estar deliberadamente humilhando o Oriente, esse já será um grande passo. Se também questionarmos o montante de dinheiro que se gasta em uma guerra como a do Iraque, em que milhares de pessoas morreram desnecessa-
riamente, e como esse dinheiro poderia ser usado em ações que exatamente evitassem essa situação, provavelmente poderíamos ter melhor resultado. Uma das ações mais importantes é fazer a distinção entre criminosos, radicais e muçulmanos comuns. Dentro do grupo dos muçulmanos comuns existem seculares, moderados e fundamentalistas contrários às ações violentas para se alcançar um Estado islâmico. Esses muçulmanos comuns precisam ser integrados à comunidade internacional, e a democracia é um bom caminho para essa integração. Por outro lado, como menciono em meu livro, devemos estar mais preparados para a guerra psicológica, para desfazermos a auto-imagem do terror. Temos de mostrar aos militantes que seus líderes são corruptos, e não sagrados, como imaginam.