A gritaria, recheada de palavrões, a bordo dos quatro veleiros Beneteaus 40.7 – gigantes com 170 metros quadrados de área vélica cada um, verdadeiros outdoors flutuantes –, traduz o clima tenso da competição. “Vamos match, vamos match. Vamos subir. Sobe esta p. logo. Vai dar jaibe p.” Match no jargão iatista quer dizer marcar o adversário, impedir a ultrapassagem. Jaibe é rodar o barco com vento de popa. O p seguido de ponto dispensa traduções. Grandes regatas são provas com extenuantes esforços físicos em que os tripulantes estão sob ordens acaloradas. O esporte que mais medalhas olímpicas trouxe ao País é um espetáculo de emoções que começa a descobrir seu enorme potencial, não só de mídia e marketing, mas também de atrair turistas-velejadores para as águas brasileiras.

A festa milionária do Match Race Brasil – apontado hoje como um dos principais eventos da vela no Brasil – reuniu em Salvador, entre quinta-feira 10 e domingo 13, mais de 600 convidados por dia, entre empresários de diferentes setores. Mais ou menos como se parte da Fiesp, da Fierj e da Fieb – Federações das Indústrias dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia – tivesse vestido calções para acompanhar um dos eventos mais glamourosos da vela nacional, numa demonstração evidente do poder da vela para capitalizar negócios. Duas escunas foram transformadas em arquibancadas para que todos pudessem acompanhar de perto as manobras que aconteciam na raia onde os quatro Beneteaus 40.7 se enfrentavam. As escunas funcionavam como uma espécie de escritório avançado para a aproximação de clientes e empresas. Favorecido pelas regras da competição que prevê que cada equipe leve pelo menos dois tripulantes convidados, os patrocinadores aproveitam para escalar seus melhores clientes.

Para Vivo, UBS Wealth Management e outros grupos, é muito importante colocar clientes e futuros clientes para velejar na equipe de ídolos da vela, como Torben Grael, Alan Adler, André Fonseca, Santiago López-Vásquez, este integrante de uma das equipes da America’s Cup. “Nossos convidados vibram ao velejar com alguns dos grandes ícones da vela brasileira e mundial. Nosso objetivo não é
fechar negócios, mas ganhar a confiança que, a médio e longo prazos, vai se
reverter em melhor relação com os clientes”, diz Udo Hamm, diretor executivo
do UBS para as Américas.

Falar em dinheiro durante o evento é quase um tabu, mas o certo é que, com apenas um contrato fechado no sábado, após o cliente ter velejado em um Beneteau 40.7, o patrocinador conseguiu um retorno de aproximadamente US$ 1 milhão – bem mais do que investiu na realização de todas as etapas (Salvador, Rio de Janeiro e Ilha Bela) da competição. “Velejar na equipe do Fonseca – André Bochecha Fonseca, bicampeão mundial na classe Sniper Júnior e detentor de dez títulos brasileiros – foi uma das experiências mais ricas da minha vida. Durante toda a prova, fica no ar uma sensação de disputa acirrada em que os detalhes fazem a diferença”, diz o industrial Jamil Hajad, 46 anos.

Turismo – O Match Race Brasil, associado a outras regatas internacionais que passam hoje pelo País, atua como uma porta de entrada para o turismo náutico no Brasil. “A costa brasileira tem condições para se tornar uma nova Nova Zelândia, país que detém a maior relação de barcos per capita no mundo, junto com a Austrália”, diz Francisco José Azevedo Padinha, presidente da Vivo no Brasil. Com aproximadamente oito mil quilômetros de costa e com mar de fácil navegabilidade em quase toda a sua extensão, o Brasil poderia estar entre os países que melhor aproveitam suas condições geográficas e climáticas para gerar empregos e divisas no setor, mas está distante do ideal. Enquanto nos Estados Unidos, o comércio de embarcações, equipamentos, acessórios e serviços movimenta valores acima de US$ 37 bilhões por ano, no Brasil o mercado está restrito a US$ 900 milhões. O motivo é simples: lá existe uma relação de um barco para cada 17 habitantes, ao passo que aqui os números são um para 1.375.

O velejador e bicampeão olímpico Torben Grael lembra que o brasileiro foi se afastando do mar. “O Brasil foi descoberto pelos mares, tem uma costa extensa e maravilhosa para velejar, mas, hoje, por uma questão cultural, para o brasileiro a segurança no mar vai até onde dá pé. É preciso mudar essa cultura, criar marinas públicas, rampas de acesso ao mar, colocar mais crianças para velejar e mostrar que o mercado de trabalho náutico é muito bom”, diz.