Desde que surgiu na vida pública, em 1983, como secretário estadual de Fazenda, Cesar Maia gaba-se de seu talento com os números. Por três vezes se elegeu prefeito do Rio de Janeiro, tirando proveito da fama de bom administrador, domador das contas públicas, capaz de manter o caixa municipal em permanente estado de superávit. A crise nos hospitais do município, que levou o governo federal a decretar estado de calamidade na saúde carioca e intervir na sexta-feira 11 em seis unidades, revela números que colocam em dúvida essa qualidade. “O que há no município do Rio é incapacidade e incompetência de gestão”, definiu o ministro da Saúde, Humberto Costa, na quarta-feira 16. Depois de analisar planilhas e prestações de contas, a equipe do Ministério que interviu nos hospitais cariocas afirma que a falta de medicamentos, equipamentos e profissionais nas unidades é decorrência de uma sucessão de barbeiragens na administração dos recursos. O prefeito, por sua vez, culpa o Ministério por não ter repassado as verbas previstas. Em meio à troca de argumentos, os interventores do Ministério da Saúde promovem um mutirão para restabelecer o atendimento nos hospitais.

Na quinta-feira 17, a prefeitura recorreu ao Superior Tribunal Federal para que os hospitais Miguel Couto e Souza Aguiar, do município, retornem à sua administração, sob alegação de que a intervenção é inconstitucional. Através de uma publicação, Cesar afirma que partiu dele a idéia de devolver ao governo federal as 28 unidades de saúde municipalizadas em 1995. “O município apontou problemas, solicitou negociação e apresentou opções para resolver a questão”, diz o texto. “Como nada adiantou, foi feita uma notificação extrajudicial, em junho de 2004, ao Ministério da Saúde, informando que, sem os recursos necessários, as unidades seriam devolvidas.” Não foi a prefeitura que devolveu as unidades – o Ministério da Saúde é que resolveu tirá-las da gestão municipal. A publicação acusa ainda o Ministério de estar devendo R$ 192,6 milhões para o pagamento de pessoal em seis hospitais municipalizados. Os técnicos do Ministério argumentam que a verba não foi repassada porque a prefeitura não aceitou o acordo em que daria a contrapartida em custeio, investimento e obras.

O secretário de Atenção à Saúde do Ministério, Jorge Solla, mostrou a ISTOÉ documento que comprova o depósito de R$ 1.576.824,76 em 3 de março para pagamento de médicos residentes. Apesar disso, uma carta da Associação dos Médicos Residentes do Estado do Rio de Janeiro, datada de 15 de março, reclamava que essas bolsas não haviam sido pagas pela prefeitura até aquela data. Solla confirma que o município tinha R$ 30 milhões de verbas da saúde aplicadas no mercado financeiro. “Não é crime aplicar dinheiro, mas não se deve fazer isso quando os hospitais passam por uma situação tão grave”, afirma.

Em uma semana de intervenção, os novos gestores descobriram várias irregularidades. Um dos dramas de pacientes que sofreram com as deficiências dos hospitais foi o de Reginaldo Joaquim, 54 anos, que tem a perna direita amputada. Ao procurar o Hospital do Andaraí na sexta-feira 11, ele só conseguiu chegar à enfermaria depois de ser carregado no colo pela filha Regina. Seis dias depois, o diretor de Auditoria do SUS, Paulo Sérgio Nunes, encontrou no porão do hospital três cadeiras de rodas – uma delas embalada – que ajudariam a amenizar o sofrimento de Reginaldo. “A sensação de ver isso abandonado aqui é a mesma das pessoas que estão sentindo dor”, definiu Nunes.

Os auditores encontraram no hospital Cardoso Fontes uma sala repleta de medicamentos – válidos ou com data de validade vencida. Enquanto os interventores trabalhavam em mutirão para tentar normalizar o atendimento – pretendem lançar mão até mesmo de médicos e remédios cedidos pelas Forças Armadas –, o prefeito tentava dispensar 336 servidores que trabalhavam nos hospitais municipalizados. A dispensa foi barrada na Justiça. Na quinta-feira 17, a prefeitura suspendeu o fornecimento de kits para exames laboratoriais no hospital Souza Aguiar. O Ministério teve de remanejar os kits de outra unidade.

“Diante da intervenção, Cesar Maia responde com ironia, tenta atrapalhar em vez de ajudar”, critica o presidente do Sindicato dos Médicos, Jorge Darze. Em audiência com o ministro da Saúde, realizada em junho, o sindicato já havia pedido a intervenção federal. “Ele demonstra alívio no momento em que outra autoridade assume a responsabilidade que deveria ser de sua equipe”, critica o sindicalista. Nesse clima, é difícil prever quando e como vai terminar a intervenção federal nos hospitais do Rio de Janeiro.

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