Há apenas 30 anos, os países árabes do Golfo Pérsico eram pouco mais do que tinham sido durante séculos: um universo de aldeias beduínas pontilhado por entrepostos comerciais e plantações de tâmaras. Mas a crise do petróleo desencadeada em 1973, quando a Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) quadruplicou os preços do combustível, provocou uma revolução na economia da região. A súbita opulência trazida com os petrodólares acabou com o milenar estilo de vida beduíno e criou uma situação insólita. O enriquecimento da população e a escassez de mão-de-obra fizeram com que mais da metade do mercado de trabalho daqueles países se formasse com estrangeiros, vindos principalmente da Índia, do Paquistão, do Irã, de Bangladesh, do Sri Lanka e das Filipinas.

No sultanato de Omã, por exemplo, cerca de 60% dos trabalhadores são imigrantes. Nesse contingente está o indiano Stanely D’Cunha, que tem como obrigação única e exclusiva manter a temperatura do Palácio Al-Alam em 21o centígrados. Do lado de fora do Al-Alam, um dos nove palácios do sultão Qaboos Bin Said, os termômetros marcam em média 40o centígrados. “Dentro do palácio, só tem estrangeiro trabalhando. Nem as camareiras são omanis”, diz o indiano. Nenhum desses trabalhadores tem direito à cidadania omani ou a visto de residência permanente.

O panorama se repete na Arábia Saudita, em Barein, Catar, nos Emirados Árabes Unidos e no Kuait. Há apenas variantes na porcentagem e nacionalidade da maioria trabalhadora, em especial no caso da Arábia Saudita, a monarquia absolutista que ostenta o título de maior produtor mundial de petróleo. Dos seus 22 milhões de habitantes, metade é saudita e 40% têm outra origem árabe, contra apenas 10% de origem afro-asiática.

Nos Emirados Árabes Unidos, que ocupam a entrada do Golfo Pérsico, cerca de 75% da população é estrangeira, sendo 90% dos postos de trabalho são ocupados por imigrantes. Alguns chegaram junto com os petrodólares. É o caso do indiano Pampuru John Thomas, que trabalha como vigia no porto de Dubai e vive no emirado de Al-Shaab desde 1973. Com orgulho, ele conta que a filha, Bena, está fazendo a faculdade de engenharia. “Eu gosto da Índia, mas lá jamais teria as oportunidades que encontrei aqui”, compara Thomas.

Foi justamente atrás dessas oportunidades que Mohammed Shahmorad Soltani chegou a Dubai há três anos, após atravessar o Golfo, vindo de Teerã, no Irã. “Como lá é mais pobre, falta trabalho”, diz o taxista Soltani. Por enquanto, ele é dono de um Toyota Corola, ano 1992, um carro modesto diante da frota novíssima que circula pela cidade.

Nem todos os imigrantes, contudo, chegam para fazer seu pé-de-meia. Com apenas 22 anos, a inglesa Sarah Goss aceitou um convite para trabalhar em Dubai apenas um mês após se formar em música pela Universidade de York, em julho do ano passado. Desde então, passa boa parte de suas tardes tocando harpa no salão de chá do Jumeirah Beach Hotel, um dos mais luxuosos de Dubai. “Além de contribuir com a vida cultural do emirado, estou adorando a oportunidade de conhecer pessoas diferentes”, diz Sarah. A harpista, no entanto, praticamente não tem contato com a população local.

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O isolamento de Sarah em relação aos emirenses é comum a todos os estrangeiros na região. Por trás da segregação social dos imigrantes existe uma crescente preocupação dos governos em preservar a identidade cultural de seus povos. Nos Emirados Árabes, a situação chegou a tal ponto que os emires resolveram arcar com o custo dos casamentos dos subalternos, para evitar que eles se casem com estrangeiras. A origem do problema, no entanto, é econômica. Para o emirense, casar-se com uma conterrânea custa, em média, o equivalente a R$ 150 mil. Parte do dinheiro é para a festa de casamento. Outra parte vira patrimônio da própria noiva, em jóias e em um enxoval de primeiríssima linha.


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