Depois que a ficção científica disseminou a imagem de um ser baixinho, verde e hostil, ninguém mais espera encontrar um alienígena esperto em Marte. Mesmo assim, a possibilidade de existir vida marciana nunca foi descartada. Até que os cientistas possam remexer a superfície do planeta, examinar suas rochas e fazer análises químicas do solo, a resposta será um eterno talvez. Buscar traços de vida permanece o mais forte argumento científico em favor de uma missão tripulada ao astro vermelho. Até hoje, os dados transmitidos à Terra por sondas robotizadas não foram conclusivos. Sem contar que, das 30 tentativas de enviar máquinas inteligentes ao planeta, menos da metade obteve êxito. Dentro de 15 a 20 anos, a agência espacial americana Nasa planeja mandar os primeiros astronautas a Marte. Para pavimentar o caminho à exploração humana, foi lançada na órbita do planeta, na madrugada de quarta-feira 24, mais uma sonda, a Mars Odissey. Ela decolou do Cabo Canaveral, na Flórida, em abril e viajou 400 milhões de quilômetros. Nos próximos 76 dias, seus motores entrarão em processo de aerofrenagem para que ela possa se aproximar lentamente da superfície do planeta e iniciar uma varredura que irá se estender por dois anos e meio.

Uma das funções da Mars Odissey é medir a quantidade de radiação presente no ambiente para garantir a segurança dos astronautas que visitarão o planeta. Outra incumbência é procurar traços de água. No mês passado, o geólogo americano Victor Baker, da universidade do Arizona, provocou alarde ao publicar um estudo no qual sustenta a existência de reservatórios de água abaixo da superfície congelada de Marte. Essa teoria sepultou a idéia de que o planeta era frio e seco em seus primórdios, há 3,9 bilhões de anos. Os cientistas também querem saber se há bactérias ou traços de sua existência em Marte. Pode parecer mera curiosidade, mas para a astrobiologia seria como desvendar um segredo do Universo. Embora combine mais com seriados de ficção científica como Arquivo X, a ameaça de bactérias e vírus transmissores de uma peste desconhecida e intratável pela medicina terráquea não está distante da realidade. Para evitar uma invasão alienígena, os centros de pesquisa dobraram a cautela. Em maio, um conselho científico anunciou que seriam necessários sete anos para a construção de um laboratório com proteção biológica suficiente para conter o ataque de um vírus extraterrestre. Bactérias assassinas, por enquanto, só apareceram na Terra e, independentemente dos resultados que a Mars Odissey irá colher, a agência espacial americana Nasa já agendou outras missões. Em 2003, partem dois foguetes de reconhecimento e, em 2008, mais sondas e sensores viajarão para avaliar a atmosfera.

Ferrugem – A distância máxima entre a Terra e Marte é de 392,6 milhões de quilômetros. Em intervalos de dois anos e dois meses, Marte fica mais próximo da Terra, a 67,6 milhões de quilômetros. Quando isso acontece, o planeta é reconhecido no céu pelo brilho laranja-dourado. Nos períodos em que fica longe, ele faz jus ao apelido de planeta vermelho. Não a cor púrpura dos botões de rosa, mas a tonalidade típica do mineral óxido ferroso, a popular ferrugem. Marte tem a metade do diâmetro da Terra e é frio na maior parte do ano, com temperatura média de – 63 oC. Os vales e cânions são grandiosos como o calendário: o ano tem 669 dias de 24 horas e 40 minutos. Seu ponto culminante é o monte Olympus, com 27 mil metros de altura. Ele é três vezes maior que o Everest, ponto mais alto da Terra. Como a gravidade é um terço da nossa, na prática tudo fica três vezes mais leve.

Com base em sinais de erosão do solo, alguns cientistas dizem que Marte já foi semelhante à Terra e nele podem ter sido desenvolvidas formas primitivas de vida. A prova mais contundente é um meteorito de dois quilos, do tamanho de uma batata, descoberto em 1984 numa região da Antártica conhecida como Alan Hills. Em 1996, uma equipe da Nasa achou no meteorito alto teor de compostos de carbono, possível indício de vida extraterrestre. Os gases contidos em seu interior são uma amostra da atmosfera marciana. Apesar dos tratados científicos, ainda há quem julgue o meteorito um alarme falso. Não seria a primeira vez que astrônomos respeitados são enganados por inexistentes vestígios de vida marciana.

A busca de uma comprovação da vida serve de impulso para uma missão bilionária, mas são as barreiras humanas que limitam a empreitada. Cada astronauta consome, em média, 1,7 kg de comida, 2,5 litros de água, 4,8 kg de água para higiene e 960 gramas de oxigênio por dia. E produz 30 kg diários de dejetos – urina, fezes, águas, resíduo orgânico e lixo. Como toda missão é obrigada a trazer o lixo de volta, há a proposta de criar plantas numa espécie de estufa para purificar e reciclar a água e o ar. No papel parece simples, mas os testes mostram o contrário. Entre 1991 e 1993, um projeto privado batizado de Biosfera II trancafiou oito pessoas numa redoma construída no Arizona, nos EUA, com minioceano, selva tropical e dezenas de espécies animais. O clima nublado prejudicou a fotossíntese, exigiu reciclagem química do CO2 e inviabilizou o amadurecimento dos legumes. Os porcos tornaram-se agressivos com a falta de comida, devoraram os frangos e foram abatidos. As galinhas botaram só um ovo por mês para cada bionauta. Das 25 espécies de vertebrados, 19 se extinguiram.

Psicologia – Os conflitos pessoais se multiplicaram na mesma proporção. O cosmonauta Valery Ryumin, ex-hóspede da estação russa Mir, resumiu bem a situação: “Todas as condições necessárias para o assassinato estão reunidas quando dois homens são confinados, por dois meses, numa cabine.” Imagine uma viagem de dois anos e meio, no mínimo. Ao montar a equipe, é preciso levar em conta a mistura de personalidades. A socióloga americana Marilyn Dudley-Rowley, que estudou expedições de confinamento na Antártica e no Ártico, afirma que pessoas com temperamento semelhante tendem a brigar mais do que equipes heterogêneas. Para ir a Marte será preciso ter senso de humor e bom preparo físico, já que a exposição à radiação provoca atrofia muscular e perda de cálcio ósseo.

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Uma das propostas para colonizar o planeta ferrugem seria criar um efeito estufa semelhante ao que ameaça de morte o planeta Terra. A idéia é levar espelhos de 200 km de extensão para flutuar na órbita e derreter o gás carbônico que se acumula nas calotas polares em forma de gelo seco. Com o tempo, a atmosfera reteria calor, a vegetação floresceria, surgiriam mares e lagos. A questão é saber por que investir tanto na criação de condições artificiais para habitar outro planeta se o ser humano não consegue viver em harmonia na Terra nem resolver seus problemas ambientais.

Caravela – Quem mais se dedicou ao estudo das possibilidades de colonização de Marte foi o engenheiro aeronáutico americano Robert Zubrin. Em 1996, ele escreveu o livro The case for Mars (A causa de Marte), onde propôs a missão “Marte Direto”, avaliada em US$ 20 bilhões. Seriam precisos 150 dias de viagem para a ida, e outros 110 dias para a volta. Partiriam para o espaço dois grupos de três foguetes. Um deles serviria de elevador para levar os astronautas do solo marciano até a nave de retorno estacionada na órbita do planeta. No outro ficaria a fábrica de combustível, que retira matéria-prima do solo marciano para abastecer todos os foguetes na viagem de retorno à Terra. A Nasa reconheceu o mérito de Zubrin e, desde 1998, trabalha no projeto “Marte Semidireto”, com custo de US$ 55 bilhões.

Paradoxalmente, o que há de mais avançado em viagem interplanetária envolve uma drástica volta às caravelas de Cabral e Vasco da Gama. A forma mais viável de aproveitar a energia solar seria com uma vela de verdade – finíssima película de plástico espelhado com um quilômetro de extensão, impulsionada pela luz solar. Ela tiraria proveito do vento solar que sopra em todas as direções à velocidade de 500km/s. Vencido o desafio técnico de esticar e manobrar a vela, viria outro problema: seriam necessários um a dois anos até a vela acumular energia suficiente para dar partida na viagem.

 


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