A indecorosa pressão do governo sobre o Tribunal de Contas da União (TCU) pela aprovação das contas de Dilma Rousseff levou o colegiado do órgão a validar uma novidade que colocará a presidente nas cordas durante pelo menos 30 dias. A corte deu à presidente o prazo de um mês para tentar justificar o injustificável. O TCU quer saber por que o governo gastou mais do que arrecadou, autorizou novas despesas em vez de cortar quando estava no vermelho e, mesmo alterando a meta de superávit, terminou o ano de 2014 com saldo deficitário. Pela primeira vez, um chefe do Estado brasileiro terá que apresentar uma defesa individual ao Tribunal. O prazo e a oportunidade de ampla defesa, porém, não são boas notícias para o Planalto. Pelo menos dois itens apontados como irregulares pelo TCU, no escopo das manobras financeiras conhecidas como “pedaladas”, são de atribuição exclusiva da presidente. Se as explicações de Dilma não convencerem, a rejeição das contas pode dar à oposição um sólido argumento para pedir o impeachment da presidente, sob a alegação de que ela cometeu crime de responsabilidade. De qualquer forma, o debate sobre o impedimento está reaberto no meio político, independentemente do desfecho do processo no TCU. “Do ponto de vista jurídico, vai ser a faísca que faltava”, disse o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

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PRESSÃO
Os senadores Aloysio Nunes, Ronaldo Caiado, José Agripino e Aécio Neves
em encontro com o relator das contas do governo. O processo do
TCU reacende o debate do impeachment de Dilma

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O parecer do procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, Júlio Marcelo de Oliveira, e o relatório do ministro Augusto Nardes sobre as irregularidades cometidas pelo governo são contundentes. Ambos apontam que Dilma feriu a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Constituição, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e o decreto 93.872 de 1986 – que regula as aplicações dos recursos do Tesouro – para criar uma falsa realidade das contas públicas e não ser obrigada a congelar investimentos em áreas com forte apelo popular durante o ano eleitoral. “A nação assistiu, perplexa, a uma verdadeira política de irresponsabilidade fiscal marcada pela deformação de regras para favorecer os interesses da chefe do Poder Executivo em ano eleitoral”, critica o MP. No parecer, o procurador Júlio Marcelo lembra que, em 1937, Francisco Thompson Flores, ministro da corte, pediu as rejeições das contas do então presidente Getúlio Vargas, apesar de sofrer pressões e represálias. Ele sugeriu ao colegiado atual o mesmo ato de coragem. Júlio Marcelo concordou que a decisão do TCU em abrir espaço para Dilma se defender deu “maior segurança” à futura deliberação do TCU. Assim, ela não poderá alegar cerceamento de defesa.

O relatório de Nardes está amparado em argumentos técnicos. Dilma terá de responder por diversas irregularidades. A responsabilidade direta da presidente foi constatada pelo relator em omissões das dívidas da União com bancos públicos. A intenção por trás da manobra era melhorar as estatísticas oficiais de desempenho do governo. Outro artifício atribuído à presidente , cujo objetivo era maquiar as contas públicas, foi a utilização de recursos da Caixa para pagar as despesas do Bolsa Família e, assim, segurar recursos do Tesouro. O relatório de Nardes ainda cita execuções orçamentárias que driblam a Legislação. Entre elas está uma das principais vitrines do Planalto, o Minha Casa, Minha Vida. Pelo menos R$ 6,2 bilhões do programa foram pagos com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), prática que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição.

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Dilma terá dificuldades para se defender. O relatório do TCU destaca a liberação de emendas parlamentares para convencer os congressistas a aprovar o projeto de lei que mudou a meta de superávit no final de 2014, evitando que o governo burlasse a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Segundo o Tribunal, dois episódios podem levar a presidente a ser enquadrada em crime de responsabilidade. Apesar de a revisão bimestral das contas apontar que Dilma teria que assinar um decreto determinando o contingenciamento de R$ 28,5 bilhões, a chefe de Estado decidiu não cortar recursos do governo. Para piorar, mesmo com as contas no vermelho, ela chancelou um decreto liberando R$ 10,1 bilhões em gastos para diversos órgãos, em confronto direto com a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição.

O presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, diz que o s artigos 8 e 9 da LRF estabelecem como responsabilidade do chefe do Poder Executivo a missão de adequar os gastos com o montante da arrecadação. “Os decretos, por ação ou por omissão, são ações atribuídas à presidente”, diz Sundfeld. “O decreto que liberou gastos violou a Lei de Responsabilidade Fiscal Além disso, se a autoridade se omite, comete um crime de responsabilidade.” Pelas regras do jogo, deve ser do Congresso a palavra final sobre as contas do governo. Nos últimos anos, o Legislativo tem sido negligente em analisar as prestações. Desde 2002, nenhuma conta foi referendada em plenário. Se o TCU rejeitar as contas de Dilma, qualquer cidadão ou entidade poderá apresentar o parecer do Tribunal como argumento para pedir o afastamento da presidente na Câmara ou sugerir uma ação de improbidade movida pelo Ministério Público Federal.

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O governo mobilizou todo o seu aparato político para fazer uma romaria aos gabinetes dos nove ministros do TCU. Apesar de ser um órgão de caráter técnico, grande parte dele é formada por indicações políticas de parlamentares e ex-congressistas. Mesmo em clima de inimizade com o Palácio do Planalto, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi acionado para manter contato com dois ministros de sua cota: Bruno Dantas e Vital do Rego. O ex-presidente José Sarney é o padrinho político do ministro Raimundo Carreiro. Os pernambucanos José Múcio Monteiro e Ana Arraes têm boas relações com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ofensiva do governo trouxe novamente o vice-presidente Michel Temer para a articulação. O peemedebista é muito próximo do relator do processo, ministro Nardes. A semana foi intensa para o colegiado. Além das pressões do governo, a oposição também visitou os ministros, cobrando a rejeição das contas da presidente. Na madrugada da quarta-feira 17, quando Nardes apresentou seu relatório, militantes do Movimento Brasil fizeram vigília na entrada da sede do Tribunal. A presidente não terá sossego nos próximos dias. 

Fotos: Adriano Machado; Jorge William/Ag. O Globo

A indecorosa pressão do governo sobre o Tribunal de Contas da União (TCU) pela aprovação das contas de Dilma Rousseff levou o colegiado do órgão a validar uma novidade que colocará a presidente nas cordas durante pelo menos 30 dias. A corte deu à presidente o prazo de um mês para tentar justificar o injustificável. O TCU quer saber por que o governo gastou mais do que arrecadou, autorizou novas despesas em vez de cortar quando estava no vermelho e, mesmo alterando a meta de superávit, terminou o ano de 2014 com saldo deficitário. Pela primeira vez, um chefe do Estado brasileiro terá que apresentar uma defesa individual ao Tribunal. O prazo e a oportunidade de ampla defesa, porém, não são boas notícias para o Planalto. Pelo menos dois itens apontados como irregulares pelo TCU, no escopo das manobras financeiras conhecidas como “pedaladas”, são de atribuição exclusiva da presidente. Se as explicações de Dilma não convencerem, a rejeição das contas pode dar à oposição um sólido argumento para pedir o impeachment da presidente, sob a alegação de que ela cometeu crime de responsabilidade. De qualquer forma, o debate sobre o impedimento está reaberto no meio político, independentemente do desfecho do processo no TCU. “Do ponto de vista jurídico, vai ser a faísca que faltava”, disse o senador Aécio Neves (PSDB-MG).

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TCU reacende o debate do impeachment de Dilma

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O parecer do procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, Júlio Marcelo de Oliveira, e o relatório do ministro Augusto Nardes sobre as irregularidades cometidas pelo governo são contundentes. Ambos apontam que Dilma feriu a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Constituição, a Lei de Diretrizes Orçamentárias e o decreto 93.872 de 1986 – que regula as aplicações dos recursos do Tesouro – para criar uma falsa realidade das contas públicas e não ser obrigada a congelar investimentos em áreas com forte apelo popular durante o ano eleitoral. “A nação assistiu, perplexa, a uma verdadeira política de irresponsabilidade fiscal marcada pela deformação de regras para favorecer os interesses da chefe do Poder Executivo em ano eleitoral”, critica o MP. No parecer, o procurador Júlio Marcelo lembra que, em 1937, Francisco Thompson Flores, ministro da corte, pediu as rejeições das contas do então presidente Getúlio Vargas, apesar de sofrer pressões e represálias. Ele sugeriu ao colegiado atual o mesmo ato de coragem. Júlio Marcelo concordou que a decisão do TCU em abrir espaço para Dilma se defender deu “maior segurança” à futura deliberação do TCU. Assim, ela não poderá alegar cerceamento de defesa.

O relatório de Nardes está amparado em argumentos técnicos. Dilma terá de responder por diversas irregularidades. A responsabilidade direta da presidente foi constatada pelo relator em omissões das dívidas da União com bancos públicos. A intenção por trás da manobra era melhorar as estatísticas oficiais de desempenho do governo. Outro artifício atribuído à presidente , cujo objetivo era maquiar as contas públicas, foi a utilização de recursos da Caixa para pagar as despesas do Bolsa Família e, assim, segurar recursos do Tesouro. O relatório de Nardes ainda cita execuções orçamentárias que driblam a Legislação. Entre elas está uma das principais vitrines do Planalto, o Minha Casa, Minha Vida. Pelo menos R$ 6,2 bilhões do programa foram pagos com recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), prática que fere a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição.

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Dilma terá dificuldades para se defender. O relatório do TCU destaca a liberação de emendas parlamentares para convencer os congressistas a aprovar o projeto de lei que mudou a meta de superávit no final de 2014, evitando que o governo burlasse a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Segundo o Tribunal, dois episódios podem levar a presidente a ser enquadrada em crime de responsabilidade. Apesar de a revisão bimestral das contas apontar que Dilma teria que assinar um decreto determinando o contingenciamento de R$ 28,5 bilhões, a chefe de Estado decidiu não cortar recursos do governo. Para piorar, mesmo com as contas no vermelho, ela chancelou um decreto liberando R$ 10,1 bilhões em gastos para diversos órgãos, em confronto direto com a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Constituição.

O presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld, diz que o s artigos 8 e 9 da LRF estabelecem como responsabilidade do chefe do Poder Executivo a missão de adequar os gastos com o montante da arrecadação. “Os decretos, por ação ou por omissão, são ações atribuídas à presidente”, diz Sundfeld. “O decreto que liberou gastos violou a Lei de Responsabilidade Fiscal Além disso, se a autoridade se omite, comete um crime de responsabilidade.” Pelas regras do jogo, deve ser do Congresso a palavra final sobre as contas do governo. Nos últimos anos, o Legislativo tem sido negligente em analisar as prestações. Desde 2002, nenhuma conta foi referendada em plenário. Se o TCU rejeitar as contas de Dilma, qualquer cidadão ou entidade poderá apresentar o parecer do Tribunal como argumento para pedir o afastamento da presidente na Câmara ou sugerir uma ação de improbidade movida pelo Ministério Público Federal.

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O governo mobilizou todo o seu aparato político para fazer uma romaria aos gabinetes dos nove ministros do TCU. Apesar de ser um órgão de caráter técnico, grande parte dele é formada por indicações políticas de parlamentares e ex-congressistas. Mesmo em clima de inimizade com o Palácio do Planalto, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), foi acionado para manter contato com dois ministros de sua cota: Bruno Dantas e Vital do Rego. O ex-presidente José Sarney é o padrinho político do ministro Raimundo Carreiro. Os pernambucanos José Múcio Monteiro e Ana Arraes têm boas relações com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A ofensiva do governo trouxe novamente o vice-presidente Michel Temer para a articulação. O peemedebista é muito próximo do relator do processo, ministro Nardes. A semana foi intensa para o colegiado. Além das pressões do governo, a oposição também visitou os ministros, cobrando a rejeição das contas da presidente. Na madrugada da quarta-feira 17, quando Nardes apresentou seu relatório, militantes do Movimento Brasil fizeram vigília na entrada da sede do Tribunal. A presidente não terá sossego nos próximos dias. 

Fotos: Adriano Machado; Jorge William/Ag. O Globo