Dá para imaginar uma feijoada sem feijão? Pois os paraenses não só imaginaram como fizeram. Com uma culinária baseada nos pratos indígenas, rica em opções desconhecidas da maioria dos brasileiros, os paraenses inventaram a maniçoba. O aspecto lembra uma feijoada tradicional. Contém as mesmas carnes de porco e de boi em pedaços, mas o caldo negro é feito com folha de mandioca moída. O sabor é exótico, como a maior parte do cardápio típico, recheado de ingredientes que só existem no Pará. Cerca de 87% do território do Estado é coberto pela floresta tropical amazônica, que tem uma produção singular de frutas, legumes e verduras. Outro diferencial é a infinidade de peixes de rio, muitos de carne gordurosa, como o tambaqui e o pirarucu. Os atrativos são tantos que a capital, Belém, tem pretensões de se tornar um pólo de turismo gastronômico. A Secretaria Estadual de Cultura e a iniciativa privada levaram a Belém chefs de cozinha de vários Estados, no evento Ver o peso da cozinha paraense.

A idéia foi do paraense Paulo Martins, 54 anos, proprietário do restaurante Lá em Casa. “Nossos sabores ainda não são difundidos”, observa. Além disso, os paraenses dominam muitas técnicas desconhecidas, como a de limpar peixe com limão para amenizar o sabor acentuado, típico de espécies de água doce. Esse foi um dos aspectos que surpreenderam o francês Emmanuel Bassoleil, do restaurante Roanne, de São Paulo. “Jamais uso limão em nossos peixes, de paladar muito sutil”, comparou. O chef se espantou com a variedade de pescados que encontrou no mercado Ver o Peso, construção do início do século em estilo art nouveau. “Contei 22 tipos diferentes”, contabilizou. Tereza Corção, do restaurante Navegador, no centro do Rio, também se surpreendeu e deu um show no banquete que finalizou o evento. Acrescentou polpa de cupuaçu ao aipo, alho-poró, cebola, alho, caldo de frango e creme de leite na refrescante sopa gelada vichyssoise. Já Emmanuel Bassoleil deixou Belém com uma idéia original: adaptar a cozinha fusion – que agrega ingredientes de várias culturas internacionais – às misturas da cozinha brasileira, de Norte a Sul. Os chefs se encantaram com as frutas, como o açaí, e descobriram a pupunha, com seu curioso sabor entre milho e a castanha, e o ácido cupuaçu. O chef Sérgio Arno, do restaurante Vecchia Cucina, em São Paulo, pretende fazer nhoque com camarão e pupunha (uma variedade de palmito). Já Dânio Braga, da Locanda della Mimosa, em Petrópolis, região serrana do Rio, planeja acrescentar farinha d’água ao seu cuscuz. O curitibano Celso Freire, do Boulevard Restaurant, vai incluir tucupi (sumo de mandioca) e jambu (erva que anestesia a boca) ao seu cardápio. Ambos são ingredientes de um dos pratos locais mais típicos: o pato no tucupi. A variedade, enfim, se soma à criatividade.