A geração “clubber”, dos viciados em clubes noturnos e música eletrônica, consagrou os disc-jóqueis no mundo inteiro. Seus amplificadores, samplers, pick ups, enfim, toda aquela parafernália eletrônica, não se restringem mais ao cantinho escuro atrás das caixas de som de festas caseiras. Estão por toda parte: raves, boates, restaurantes e até academia de ginástica. Alçados à condição de “majestade” no trono da discotecagem, muitos DJs não suportam ser contrariados. É aí que começam os problemas. Hoje, eles podem ser responsáveis tanto pelo sucesso quanto pelo fracasso de um evento. Dependendo do tamanho da vaidade e do humor do destronado dono da festa, a noite pode se transformar numa batalha desgastante.

Quem paga ou organiza uma badalação quer que tudo saia do seu jeito. Os DJs, por sua vez, são avessos a interferências no seu trabalho. Para evitar atritos, o melhor a fazer é combinar com antecedência o repertório a ser tocado. A coordenadora editorial Maiá Mendonça tentou, em vão, fazer esse acordo. Sua festa de aniversário, na boate paulista Sutra, em maio deste ano, virou uma guerra entre o DJ e os participantes. “Convidei 300 pessoas e os donos da casa garantiram que eu definiria o repertório”, conta Maiá. Ledo engano. “A gente queria MPB e ele insistia em rock pesado. A noite foi ficando um suplício”, lembra. Um dos convidados não aguentou e tentou silenciar o DJ. “Meu amigo sacou um cheque de R$ 2 mil e implorou para que ele parasse de tocar aquela música chata”, conta Maiá. A emenda acabou sendo pior do que o soneto. Ofendida, sua majestade, o DJ, recusou o cheque, disse que nunca foi tão humilhado e caprichou ainda mais no rock pauleira.

O veterano Xerxes de Oliveira, 25 anos, está no ramo há quase dez anos e tem em seu currículo parcerias com feras como Mark Marky, ícone da música eletrônica nacional e internacional. Para ele, a receita de uma festa pacífica está em saber tocar a coisa certa na hora exata. “Ao contrário do que parece, o DJ quer agradar às pessoas e não ser contra elas. Basta saber qual é o público que está nas pistas e a hora de animar e acalmar a galera”, ensina Xerxes. Além dessa dica, o DJ observa que há diversas maneiras de evitar brigas. Mesmo assim, assume: “Grande parte dos meus colegas é intransigente e não admite intervenções, por isso os djs levam fama de mal-encarados.” Não há coisa mais irritante para a categoria, por exemplo, do que ser tratado como garçom de música. Pedir uma faixa de pagode a um profissional que respira techno é pecado mortal. E não adianta tentar o discurso do “estou pagando, então toca aí”.

Os djs iniciantes costumam ser ainda mais intransigentes. “Quem está começando é mais inseguro e quer se auto-afirmar impondo seu estilo. Com o tempo, ele aprende que a troca de informações com o público-alvo ajuda a definir e aprimorar o trabalho de discotecagem”, assume o mestre na arte de misturar estilos. Xerxes é conhecido, entre outras coisas, pela habilidade com que combina Drum’n Bass (vertente da música eletrônica com batidas de baixo e bateria) e ritmos leves, como a bossa nova. “Quando comecei a tocar, tinha que fazer concessões. Agora que o meu trabalho é conhecido, as pessoas querem ouvir o meu som. Isso é um alívio”, admite o dj.

Evitar o confronto é uma das missões do organizador de eventos Luiz Fernando Magalhães, 27 anos. Há três anos ele coordena a Octo, empresa que organiza festas. Para não errar a receita, Magalhães conta com mais de dez djs diferentes. “Os donos da festa dizem o que querem ouvir e eu apresento dois ou três djs que trabalham com o repertório selecionado”, explica. Nesses casos, em que há acordo prévio, é permitido levar os próprios CDs para a festa e negociar a ordem das músicas enquanto o som está rolando.

O DJ Chico Aleixo, 41 anos, procura conversar antecipadamente com os clientes, mas já entrou em algumas canoas furadas. “Cheguei a apanhar porque me recusei a colocar determinadas músicas”, revela Aleixo. Foi no ano passado, em um clube da zona norte paulistana. Estava combinado que seria uma noite ao som de forró universitário, o que, para Aleixo, é sinônimo de muito Alceu Valença, Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Mas os frequentadores da boate eram adeptos do que Aleixo chama de “brega forró”, como o som de Frank Aguiar e Mastruz com Leite. “Um convidado foi até a mesa de som e disse que não estava curtindo o meu trabalho. Para não perder a compostura, eu só coloquei a mão no ombro dele e disse ‘sinto muito, tem quem goste’. Ele me deu um soco e caímos na porrada”, resume o dj. Ele acredita que as divergências são tão inevitáveis quanto conciliáveis. Gosto não se discute, mas, segundo Aleixo, algumas músicas são unanimidade. “Dee lite, Fernanda Abreu e Bee Gees, costumam salvar qualquer balada em que há gente reclamando do som”, ensina. De qualquer maneira, é preciso ter tato para chegar aos djs. Quem ainda acha que disc-jóquei não passa de um apertador de botão à mercê de quem paga vai encarar briga.  

Malhação com som de primeira
Helcio Nagamine
Robertinho anima aulas de musculação com techno e dance music

Para atingir um público descolado, a academia paulista Bio Ritmo entrou na onda dos DJs e transformou uma sala de musculação em discoteca. Há um mês, o dj Robertinho Dias está diariamente, das 18h às 21h, animando os alunos da academia ao som de dance music, techno e flash back. “Estou empolgado. Os alunos, muitas vezes, não curtem boates e clubes noturnos, mas encontram na música um estímulo para malhar”, diz Robertinho. A sala, para 110 alunos, está sempre lotada. “Queríamos atrair quem tem entre 20 e 35 anos e está ligado em internet e música eletrônica”, explicam os diretores Edgard Corona e Almeris Armiliato.