Para não bater na mesma tecla de que o Brasil é um país sem memória, o mercado editorial está fazendo chegar às livrarias uma bem-vinda série de lançamentos e relançamentos que recuperam boa parte da história e das imagens do Rio de Janeiro. São quase duas dezenas de livros que, ao reunir relatos e retratos de alguns dos primeiros visitantes da cidade, ou de seus habitantes mais apaixonados, acabam traçando um enorme painel de seu desenvolvimento desde o Império, passando pela República até os dias atuais. As obras merecem ser conhecidas por trazer belíssimas ilustrações e escritos que, em diferentes proporções, misturam valores puramente históricos com artísticos. Iconografia do Rio de Janeiro, de Gilberto Ferrez (Casa Jorge Editorial, volume I, 750 págs.; volume II, 298 págs., R$ 250), Guia amoroso do Rio de Janeiro, de José Inácio Parente (Interior, 245 págs., R$ 47), ou Baía de Guanabara, de Bia Hetzel (Editora Manati, 224 págs., R$ 137), são alguns dos títulos mais luminosos à venda.

O Rio sempre deslumbrou e inspirou artistas e escritores de todo o mundo, muito antes da Missão Francesa que trouxe Debret e Taunay, em 1816. Márcia Silveira, da Casa Jorge Editorial, explica que graças à sua natureza exuberante e por ter sido sede da Corte por tanto tempo, o Rio é das cidades mais retratadas do mundo. “Até o início do século, o Brasil era o Rio. É natural a quantidade de material registrado”, diz ela. A editora é responsável pelo alentado Iconografia do Rio de Janeiro, do pesquisador Gilberto Ferrez, tataraneto de Zéphyrin Ferrez, um dos integrantes da Missão Francesa. Trata-se de uma obra definitiva. No primeiro volume, Ferrez levantou e organizou, em ordem cronológica e pelo nome do artista, todo o material iconográfico relativo à cidade – da sua fundação, em 1530, até 1890. Ao todo, foram catalogadas 4.500 obras, muitas delas localizadas em museus e bibliotecas de Londres, Paris, Lisboa, Nova York e Viena. O segundo volume reproduz 250 obras que Ferrez julgou mais relevantes.

Ele passou 50 anos da sua vida dedicando-se à pesquisa e à organização do livro, mas não chegou a ver o resultado pronto. Morreu em maio de 1999, ainda achando que o trabalho era impublicável. O projeto foi levado à frente pelo historiador e crítico de arte Carlos Roberto Maciel Levy, amigo de Ferrez, que diz haver material para muitas outras edições. Esta onda de publicações só está sendo possível graças a um público fiel e em expansão, na sua maioria composto de frequentadores de sebos e profissionais liberais apaixonados pelo local onde nasceram. História das ruas do Rio, de Brasil Gerson (Lacerda Editores, 600 págs., R$ 42), por exemplo, estava esgotado desde 1965, quando foi publicada a quarta edição em comemoração ao quarto centenário da cidade. Agora, está ao alcance de todos numa edição remodelada, com introdução e notas de Alexei Bueno. O psicanalista, escritor e editor José Inácio Parente, autor de quatro obras sobre o assunto, diz que qualquer obra sobre o Rio vende muito rápido. “A cidade é um baú inesgotável de publicações, que interessam ao Brasil todo”, afirma.

Dono de uma coleção de cerca de 200 volumes apenas sobre o Rio, Parente acaba de lançar o delicioso e completo Guia amoroso do Rio de Janeiro. Não é um manual comum. Entre as inevitáveis indicações de hotéis e pontos turísticos, mescla dicas como o Rio para crianças, para idosos e histórias dos bairros. Seu trabalho vem de uma espécie de impulso a favor da recuperação da auto-estima carioca, depois de a violência ter transformado a Cidade Maravilhosa em cidade temida. Restabelecer o hoje abalado orgulho de ser carioca também é o tom do livro O Rio de todos os Brasis – uma reflexão em busca de auto-estima, de Carlos Lessa (Record, 478 págs., R$ 28), que faz uma leitura crítica da história local, tentando identificar origens de algumas das suas mazelas sem, no entanto, esquecer os afamados elogios. “O Rio é uma esfinge amorosa. Não come o visitante. Tende a adotá-lo”, afirma o autor, afinado com relatos de viajantes encantados com a cidade, como mostram outros títulos.

Um destes relatos são dignos de nota. “A primeira entrada no porto do Rio de Janeiro marca uma nova era na existência, hora que ficará como um marco na vida”, assinalou o Príncipe Adalberto da Prússia, durante sua visita, em 1857. A frase está em Baía de Guanabara, que ainda reúne ilustrações e fotografias. Este e outros exemplares representam um documento de inestimável valor histórico, como O Rio de Janeiro dos viajantes, de Luciana de Lima Martins (Jorge Zahar, 216 págs., R$ 32), e Outras visões do Rio de Janeiro colonial, de Jean Marcel Carvalho França (José Olympio, 346 págs., R$ 34,90), que publica um dos depoimentos mais interessantes dos muitos estrangeiros embevecidos com a geografia privilegiada da cidade. Ele vem do oficial da marinha britânica James Tuckey, que esteve no Brasil por vinte dias, em maio de 1803.

Retrato de época – Foi tempo suficiente para Tuckey redigir um diário às autoridades inglesas, quase sempre evidenciando o forte choque cultural sem, porém, deixar de revelar seu deslumbramento com a natureza e os hábitos locais. “A região é extremamente montanhosa, formando precipícios (…). A natureza, ao fazê-los, parece ter se divertido”, escreveu. E continua: “Vista da baía, a cidade não é deselegante. A boa impressão, contudo, desvanece à medida que nos aproximamos. As ruas, apesar de retas e regulares, são sujas e estreitas. (…) Na música e no canto, os brasileiros de ambos os sexos são excepcionais. (…), os homens, pela simples observação da harmonia da natureza, tornam-se poetas e músicos.” Guardadas as devidas proporções, a impressão atual não é muito diferente. O retrato de época, no entanto, de Tuckey e de tantos outros viajantes, resgata um importante pedaço da nossa história, contada nestes livros de qualidade inquestionável. Através deles hoje é possível acompanhar a formação da nação brasileira com um requinte de detalhes raros e uma ponta de nostalgia de um país que já foi muito mais feliz.