São poucos espectadores se sentem perdidos nos primeiros minutos de Cavalgada com o diabo (Ride with the devil, Estados Unidos, 1999), cartaz nacional na sexta-feira 12, épico sobre acontecimentos obscuros da Guerra da Secessão. Mas o ligeiro desnorteamento inicial provocado pelo filme do chinês de Formosa Ang Lee não deve ser visto como um convite à debandada da sala. Quem tiver paciência para acompanhar a história dos quatro jovens que, em 1860, partiram para a luta em defesa do Sul escravocrata, será premiado com uma visão penetrante de um dos mais importantes conflitos do século XIX.

Para começar, este é o primeiro filme sobre o assunto a mostrar um escravo recém-libertado, Daniel Holt (Jeffrey Wright), que se alinha aos antiabolicionistas confederados do Sul. Além do enfoque inédito, em vez de centrar as atenções nas grandes batalhas, o filme atém-se a um grupo de bushwhackers, guerrilheiros pró-sulistas do Estado de Missouri, que se lançam caoticamente em emboscadas contra os soldados da União. Dentre eles, destacam-se os amigos Jake Roedel (Tobey Maguire), um tímido descendente de alemão, e Jack Bull Chiles (Skeet Ulrich), arrogante filho de um latifundiário, cuja tragédia surda a fita vai tecendo de forma serena e implacável. Ang Lee quis filmar a história americana porque, após se enveredar pelas delicadezas da escritora Jane Austen em Razão e sensibilidade, estava atrás de um enredo no qual os personagens tivessem as unhas sujas. Com aquela distância peculiar dos estrangeiros, assumiu o ponto de vista dos derrotados, mostrando o naufrágio da juventude na desgraça de uma causa que se esvaiu na palma das mãos manchadas de sangue.


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