Amaior rebelião de escravos dos Estados Unidos estava marcada para a madrugada do dia 16 de junho de 1822, na cidade de Charleston, Carolina do Sul. Tinha um objetivo nobre: libertar milhares de negros em todo o território americano. Descoberta antes de tomar força, fracassou com a prisão e posterior assassinato do líder do motim, o então ex-escravo Denmark Vesey. Na mesma época e na mesma cidade, a igreja metodista episcopal africana, frequentada por negros e que tinha Vesey como um dos fundadores, foi incendiada. Passados 193 anos e um dia da revolta frustrada, na quarta-feira 17, um americano branco de 21 anos entrou no templo, reerguido após o incêndio e batizado de Emanuel (que significa “Deus conosco”), e sentou-se ao lado de outros fiéis. Depois de uma hora, levantou-se. “Preciso fazer isso. Vocês estupram nossas mulheres e estão dominando nosso país. Precisam ir.” Com uma arma em punho, matou nove pessoas – seis mulheres e três homens – entre elas o pastor, Clementa Pinckney, também senador estadual, e fugiu em um carro preto da marca Hyundai.

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Dylann Storm Roof foi preso na manhã da quinta-feira 18, em uma parada de trânsito, sob acusação de crime de ódio. Ele já havia sido detido duas vezes neste ano. Em fevereiro, em um shopping na cidade de Columbia, por portar um remédio de uso controlado sem prescrição, e em abril, por invasão ao mesmo centro de compras, pois devia ficar um ano sem frequentá-lo. Cursou ensino médio em três escolas, mas em nenhuma delas há registro de conclusão. Amigos dizem que ele era usuário contumaz de pílulas como o ansiolítico Xanax. Roof também era conhecido por fazer várias piadas racistas, que até então pareciam brincadeiras inocentes. Dizia planejar uma guerra civil. Da família, por enquanto, sabe-se apenas que no último aniversário ganhou do pai uma pistola calibre .45. Vizinhos e parentes o descrevem como um rapaz quieto e ensimesmado. Em sua foto de perfil no Facebook, aparece usando uma jaqueta preta adornada, do lado direito, com a bandeira do apartheid, regime de segregação racial adotado na África do Sul entre 1948 e 1994, e com a bandeira da Rodésia, como era chamado o Zimbábue no período em que uma minoria branca mandava no país.

Para o sociólogo Tufuku Zuberi, professor do departamento de estudos africanos da universidade da Pensilvânia, Roof representa um grupo de pessoas nos Estados Unidos que insiste na ideia da supremacia racial. “Ele foi claramente motivado por um tipo de hostilidade visto em várias partes da sociedade, mas levou ao nível mais baixo ao matar pessoas inocentes”, diz. Para Zuberi, não é uma coincidência Roof ter escolhido justamente essa data para o crime e ter dirigido até a igreja em Charleston, um marco na resistência contra o racismo nos Estados Unidos. A Igreja Metodista Episcopal Africana Emanuel é lembrada não somente pela rebelião frustrada de 1822, mas por ter sido palco da luta pela igualdade racial em marchas, protestos e discursos, como o do líder Martin Luther King em 1962.

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Segundo as autoridades americanas, a investigação estará focada nos motivos que levaram o suspeito a praticar os assassinatos. Apesar de ser acusado de crime de ódio, há uma movimentação pública, principalmente nas redes sociais, para que Roof seja considerado terrorista. O presidente Barack Obama também se pronunciou sobre o caso. “Dizer que nossos pensamentos e orações estão com eles, suas famílias e sua comunidade não é o suficiente para transmitir a angústia, a tristeza e a raiva que sentimos.” Não é a primeira vez que Obama precisa se pronunciar a respeito da violência contra os negros durante o seu governo. Provavelmente, não será a última. Com quase 200 anos separando o assassinato do líder Denmark Vesey e o massacre da última quarta-feira, constata-se que os filhos do ódio, como o jovem Dylann Storm Roof, pararam no tempo.

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Fotos: Ben Earp e Stephen B. Morton/AP Photo; BRENDAN SMIALOWSKI/AFP PHOTO 


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Amaior rebelião de escravos dos Estados Unidos estava marcada para a madrugada do dia 16 de junho de 1822, na cidade de Charleston, Carolina do Sul. Tinha um objetivo nobre: libertar milhares de negros em todo o território americano. Descoberta antes de tomar força, fracassou com a prisão e posterior assassinato do líder do motim, o então ex-escravo Denmark Vesey. Na mesma época e na mesma cidade, a igreja metodista episcopal africana, frequentada por negros e que tinha Vesey como um dos fundadores, foi incendiada. Passados 193 anos e um dia da revolta frustrada, na quarta-feira 17, um americano branco de 21 anos entrou no templo, reerguido após o incêndio e batizado de Emanuel (que significa “Deus conosco”), e sentou-se ao lado de outros fiéis. Depois de uma hora, levantou-se. “Preciso fazer isso. Vocês estupram nossas mulheres e estão dominando nosso país. Precisam ir.” Com uma arma em punho, matou nove pessoas – seis mulheres e três homens – entre elas o pastor, Clementa Pinckney, também senador estadual, e fugiu em um carro preto da marca Hyundai.

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Dylann Storm Roof foi preso na manhã da quinta-feira 18, em uma parada de trânsito, sob acusação de crime de ódio. Ele já havia sido detido duas vezes neste ano. Em fevereiro, em um shopping na cidade de Columbia, por portar um remédio de uso controlado sem prescrição, e em abril, por invasão ao mesmo centro de compras, pois devia ficar um ano sem frequentá-lo. Cursou ensino médio em três escolas, mas em nenhuma delas há registro de conclusão. Amigos dizem que ele era usuário contumaz de pílulas como o ansiolítico Xanax. Roof também era conhecido por fazer várias piadas racistas, que até então pareciam brincadeiras inocentes. Dizia planejar uma guerra civil. Da família, por enquanto, sabe-se apenas que no último aniversário ganhou do pai uma pistola calibre .45. Vizinhos e parentes o descrevem como um rapaz quieto e ensimesmado. Em sua foto de perfil no Facebook, aparece usando uma jaqueta preta adornada, do lado direito, com a bandeira do apartheid, regime de segregação racial adotado na África do Sul entre 1948 e 1994, e com a bandeira da Rodésia, como era chamado o Zimbábue no período em que uma minoria branca mandava no país.

Para o sociólogo Tufuku Zuberi, professor do departamento de estudos africanos da universidade da Pensilvânia, Roof representa um grupo de pessoas nos Estados Unidos que insiste na ideia da supremacia racial. “Ele foi claramente motivado por um tipo de hostilidade visto em várias partes da sociedade, mas levou ao nível mais baixo ao matar pessoas inocentes”, diz. Para Zuberi, não é uma coincidência Roof ter escolhido justamente essa data para o crime e ter dirigido até a igreja em Charleston, um marco na resistência contra o racismo nos Estados Unidos. A Igreja Metodista Episcopal Africana Emanuel é lembrada não somente pela rebelião frustrada de 1822, mas por ter sido palco da luta pela igualdade racial em marchas, protestos e discursos, como o do líder Martin Luther King em 1962.

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Segundo as autoridades americanas, a investigação estará focada nos motivos que levaram o suspeito a praticar os assassinatos. Apesar de ser acusado de crime de ódio, há uma movimentação pública, principalmente nas redes sociais, para que Roof seja considerado terrorista. O presidente Barack Obama também se pronunciou sobre o caso. “Dizer que nossos pensamentos e orações estão com eles, suas famílias e sua comunidade não é o suficiente para transmitir a angústia, a tristeza e a raiva que sentimos.” Não é a primeira vez que Obama precisa se pronunciar a respeito da violência contra os negros durante o seu governo. Provavelmente, não será a última. Com quase 200 anos separando o assassinato do líder Denmark Vesey e o massacre da última quarta-feira, constata-se que os filhos do ódio, como o jovem Dylann Storm Roof, pararam no tempo.

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Fotos: Ben Earp e Stephen B. Morton/AP Photo; BRENDAN SMIALOWSKI/AFP PHOTO 


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