Eles foram a maior banda de todos os tempos, fizeram o álbum mais importante da história do rock e até hoje não há lugar no planeta em que suas músicas não sejam reconhecidas já nos primeiros acordes. Mas em 1966, alguns meses antes de terem o mundo a seus pés, muita gente acreditava que os Beatles não passariam de um modismo. O jornalista Hunter Davies achava, inclusive, que a banda terminaria em breve e o contrato que tinha acabado de assinar para escrever a única biografia autorizada do grupo corria o risco de não passar de uma grande roubada. Não foi. Mais de 40 anos e centenas de outros livros sobre os Beatles depois, o volume, lançado pela primeira vez em 1968, volta às prateleiras de todo mundo com um adendo que inclui ótimas novas passagens, justiças históricas e achados como uma letra manuscrita de George Harrison que ninguém conhecia.

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PRIMÓRDIOS
Em 1966 apostava-se que os Beatles seriam um modismo passageiro

“As roupas, o cabelo, a irreverência, o senso de humor, isso era o que fazia as pessoas gostarem deles, não sua música. Era tudo publicidade e promoção. Uma nova banda iria substituí-los em breve”, escreve o jornalista, que na época em que escreveu a primeira versão do livro assinava uma coluna de celebridades chamada “Atticus”, no “Sunday Times”. Mesmo pensando dessa maneira, Davies rumou até a Cavendish Avenue, onde Paul McCartney morava, e propôs ao garoto mais bonito da banda “uma tentativa séria de contar a história toda, para que, de agora em diante, para todo o sempre, quando as pessoas fizerem as mesmas perguntas estúpidas, você possa dizer que as respostas estão no livro.”O acordo era que, durante a realização das pesquisas e entrevistas para a publicação, que se estenderam por um ano e meio, os integrantes da banda do momento não falassem com mais ninguém.

E aí começa a parte mais saborosa da nova edição do volume, a experiência do jovem colunista do “Sunday Times” com os Beatles e o universo ainda não tão vasto que os orbitava. Brian Epstein, primeiro empresário deles, teve papel importante no acesso a tudo que o escritor precisou para escrever o livro – o “fab four” estava envolvido com a criação do que seria o seu maior álbum, “Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band” e com a profissionalização da Apple, o estúdio-produtora na célebre Abbey Road, de onde saíram alguns dos discos mais importantes da história da música pop.

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A pesquisa por vezes passou por caminhos incomuns. Davies conta que certa vez atendeu ao telefone em sua mesa no “Sunday Times” e, do outro lado, uma senhora que “soava meio estranha”, chamada Yoko Ono, dizia querer “colocar sua bunda nua em um filme que ela estava produzindo”. Depois de ser convencido que não se tratava de um trote “ou de alguma jornalista bêbada do ‘Observer’”, seu concorrente, o autor anotou o endereço da filmagem e avisou a artista de vanguarda que se quisesse filmá-lo nu, teria antes de falar com seu agente, desculpa que a futura mulher de Jonh Lennon pareceu ter engolido imediatamente.

O biógrafo conta que foi até o apartamento chique de Park Lane onde Yoko montava o seu projeto exótico.“De fato, havia uma fila de caras enfileirados em um palco giratória enquanto Yoko Ono os filmava de calças abaixadas.” Além de render um artigo engraçadinho para o jornal que o empregava na época, a ocasião trouxe um ponto de observação e uma fonte que mudariam a perspectiva a respeito da dissolução dos Beatles três anos mais tarde. O próximo encontro do jornalista com a cineasta foi no estúdio da Abbey Road, em uma noite de 1968. “Lá estava ela, sentada em estado transcedental, com John hipnotizado por ela, a observando com adoração e os outros três beatles completamente desnorteados, sem saber o que havia acontecido”. Dois anos depois o grupo acabaria.

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Em 2000, Yoko lançou com Ringo, Paul e George um livro que o grupo chamou de autobiografia dos Beatles. Nessas memórias os integrantes e a viúva de Lennon desmentem o papel de pivô dela no fim do quarteto. Mas algum tempo antes de ser assassinado, Lennon disse a Jann Wenner, fundador da revista “Rolling Stone”, que seus companheiros de banda insultavam Yoko Ono e continuaram a faze-lo mesmo depois da separação do quarteto. O artigo do “Sunday Times” descrevendo a expeiência no apartamento do então marido de Yoko, “um americano um tanto distraído chamado Anthony Cox”, saiu com o título “Oh no, Ono”. Parece que, na época, a negativa era mesmo um consenso entre todos, menos Lennon.

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