Ex-primeiro-ministro da Espanha, o socialista Felipe González é um dos líderes europeus que mais se aproximou da América Latina nos últimos anos. Para ilustrar essa relação, González costuma dizer que já deu mais entrevistas para equipes de tevê da Venezuela e do México do que para espanholas. Na semana passada, porém, os laços se tornaram mais frouxos. No domingo 7, o espanhol desembarcou em Caracas para manifestar apoio a 25 líderes oposicionistas que estão presos e em greve de fome. Menos de 48 horas depois, ou 4 dias antes data planejada, ele estava de volta a Bogotá num avião militar colombiano. Além de ter sido considerado “persona non grata” pela Assembleia Nacional, de maioria chavista, González foi impedido de visitar os presos e participar de uma audiência do julgamento de Leopoldo López, um dos principais líderes da oposição. Foi também chamado de “covarde” pelo próprio presidente venezuelano, Nicolás Maduro. “Que desonra, que vergonha Felipe fugir”, disse Maduro. “A oposição quer trazer ex-presidentes estrangeiros para que governem nosso país.” Maduro, como se vê, não está disposto a sucumbir à pressão externa. Ela, tampouco, deve ceder. “A Venezuela é um país em processo de destruição”, declarou González na quinta-feira 11.

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REAÇÃO INTERNACIONAL
O espanhol Felipe González e o senador Aécio Neves expressaram apoio
às famílias de opositores presos por Maduro (acima)

González faz parte de uma coalizão de ex-presidentes empenhados na libertação de opositores presos desde que uma onda de protestos violentos contra o governo estourou no país, no ano passado. O grupo inclui o brasileiro Fernando Henrique Cardoso, o colombiano Andrés Pastrana, o boliviano Jorge Tuto Quiroga e o chileno Sebastián Piñera, entre outros. Até agora, ninguém conseguiu visitar os detidos na penitenciária militar de Ramo Verde, em Los Teques. Na semana que vem, será a vez do senador do PSDB Aécio Neves tentar a chance. Aécio, que já recebeu em Brasília Lilian Tintori, mulher de Lopez, e Mitzy Ledezma, mulher do prefeito de Caracas, António Ledezma, deve desembarcar na capital vizinha na quarta-feira 17 junto com uma comissão externa do Senado brasileiro.

Em março, os Estados Unidos já tinham subido o tom contra a Venezuela ao classificá-la como uma “ameaça à segurança nacional e à política exterior” e aplicar sanções a sete autoridades acusadas de violar os direitos humanos. “É positivo que essa pressão externa inclua figuras latino-americanas notáveis, ex-presidentes, parlamentares eleitos e líderes de organizações internacionais”, disse à ISTOÉ Javier Corrales, professor de Ciência Política do Amherst College, de Massachusetts. “O problema é que ela pode provocar uma reação nacionalista, por isso deve ser aplicada de maneira inteligente e flexível.” A contra-ofensiva já está em curso. Na quarta-feira 10, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, se encontrou com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva em São Paulo. Os dois conversaram sobre as relações políticas e econômicas entre os dois países, apesar de o Itamaraty não ter sido informado sobre a visita do parlamentar.

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Para o professor Corrales, a escalada do autoritarismo na Venezuela se deve à perda de popularidade da legenda da situação, o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV). Nas eleições de 2006, Hugo Chávez derrotou a oposição com 63% dos votos. Em 2012, essa vantagem caiu para 55%. Um mês depois de sua morte, em abril de 2013, o sucessor Nicolás Maduro venceu com 51%. “Quando o partido no poder perde a habilidade de competir eleitoralmente, ele tem maiores incentivos para enfatizar seu lado autoritário como meio de sobrevivência”, diz o professor. Num momento em que o país já não se beneficia tanto das grandes receitas do petróleo, que sustentaram o crescimento da economia e os programas sociais na era Chávez, nem do carisma de seu líder, Maduro tem aumentado a repressão a manifestações contrárias ao governo, ampliado os conceitos de “conspiração” e “golpe” e comprimido a liberdade de imprensa. Seu índice de aprovação atual beira os 25%.

É nesse cenário que a Venezuela deve promover eleições parlamentares no fim do ano. A data ainda não foi marcada, mas o presidente garantiu que, em 5 de janeiro, haverá um novo parlamento. “As eleições serão uma prova de fogo para a continuidade e estabilidade do projeto político bolivariano”, afirma José Rafael Mendoza, consultor político venezuelano. “Nas bases do chavismo existe um enorme descontentamento com a gestão de Maduro e ali é onde se saberá a capacidade de resposta dos setores progressistas e revolucionários, que são maioria no país.” Essa poderia ser a melhor oportunidade para a oposição em anos. Mas, desunida, ela não tem sido capaz de construir um discurso que atraia os votos dos eleitores que antes apoiavam o governo. No mês passado, um grupo de dissidentes do PSUV oficializou sua separação, confiante de que poderá fazer justamente isso e obter algumas cadeiras na Assembleia Nacional. A Maré Socialista se compromete a “salvar a revolução e o legado anticapitalista e antiimperialista do Comandante Chávez.”

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Fotos: FEDERICO PARRA/AFP PHOTO; George Gianni/PSDB; Jorge Silva/REUTERS