Uma nova estratégia para perder peso – baseada nas informações contidas no material genético de cada um – está ganhando espaço no Brasil e no mundo. Batizada de dieta do DNA, o método se propõe a ajudar decisivamente no emagrecimento a partir da premissa de que os organismos são únicos e têm sua própria forma de funcionar. Portanto, é preciso que os cardápios sejam desenhados conforme as peculiaridades e necessidades de cada pessoa. Desta forma, informações que dão conta, por exemplo, de como o corpo do indivíduo ­reage à ingestão de um pedaço de carne vermelha, de uma determinada fruta ou de um belo prato de macarrão poderiam fazer toda a diferença quando se quer emagrecer.

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O primeiro passo da dieta é descobrir o perfil genético da pessoa em relação à alimentação. Isto é feito por meio de exames que detectam variações no DNA associadas à maneira como o corpo reage aos alimentos. Há várias versões no mercado. Em linhas gerais, eles fornecem informações sobre a velocidade do metabolismo, a tendência a acumular gorduras e se há deficiência na absorção de proteínas e carboidratos, por exemplo. Alguns também oferecem a possibilidade de serem levantados dados sobre as respostas do corpo aos exercícios. Aqui, são fornecidas informações mostrando se o organismo se beneficia mais do exercício aeróbico ou de força, por exemplo. No laboratório Biogenetika, no Rio de Janeiro, um dos exames genéticos mais realizados é o de Genômica Nutricional, que avalia aspectos da dieta e do exercício. “Os testes são indicados para quem busca uma vida saudável, se interessa pela própria saúde e quer viver bem”, afirma Lia Kubelka, diretora clínica do laboratório.

No Richet, também no Rio de Janeiro, um dos mais pedidos é o Pathway fit. Ele apresenta que alimentos são mais bem digeridos e absorvidos dependendo da composição genética do indivíduo. “Algumas pessoas absorvem melhor glicídios, que compõem açúcares de massas, do que lipídios, que estão presentes em gorduras”, explica o patologista Helio Magarinos Torres Filho, diretor médico do laboratório. “A partir da análise genética, é possível determinar qual tipo de alimento pode ser mais recomendado, estabelecendo a dieta adequada para cada um”, complementa. O Pathway fit é um dos que também entrega dados a respeito das respostas do organismo aos exercícios.

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Uma boa parte dos clientes de clínicas de médicos e de nutricionistas mais badalados do País já está saindo do consultório hoje com a orientação de adotar esta nova dieta. A nutricionista Patrícia Davidson, do Rio de Janeiro, por exemplo, costuma indicá-lo. “Recomendo para quem quer cuidar da saúde de forma geral, para quem busca melhorar a performance na atividade física e à pessoas com dificuldade no emagrecimento ou mesmo aquelas que querem manter o peso, aperfeiçoando e equilibrando a nutrição”, explica. O médico Theo Webert, do Rio de Janeiro, também aprova o uso do regime. “Ele ajuda a emagrecer. Com os testes, sabemos quanto a dieta deve ter proporcionalmente de ­proteína, carboidratos e gorduras e ainda ver respostas ao metabolismo da cafeína, a intolerância à lactose, indicações que comprometem toda progressão e sucesso de uma dieta”, diz.

A aposta no novo método de emagrecimento é tão grande que, na Inglaterra, foi iniciada recentemente uma experiência pioneira no mundo. O Enable East – comitê formado por estudiosos de saúde pública que dá suporte às ações do NHS, a rede de atendimento daquele país – selecionou 56 pessoas que lutam há anos contra o excesso de peso. Todos estão sendo submetidos aos testes genéticos para que seja possível criar para eles uma dieta mais personalizada. Nenhum toma remédio para emagrecer. Eles serão acompanhados por seis meses após o início do regime alimentar desenvolvido com base em seu DNA. “Nossa esperança é a de que eles terminem o programa mais bem informados a respeito dos fatores que afetam seu peso e, a partir disso, tomem decisões mais fundamentadas na hora de escolher o que comer”, disse à ISTOÉ Julie Constable, coordenadora do projeto.

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O teste ao qual eles estão sendo submetidos é o DNA Fit, da empresa DNAFit Limited. Ele analisa 45 variações genéticas relacionados à capacidade do corpo de reagir aos alimentos e ao treino físico. Entre outras informações, dá respostas a respeito da sensibilidade ao carboidrato e à gordura saturada (presente em queijos, sorvete e maionese, entre outros alimentos) e se há intolerância ao glúten e à lactose.

Toda a Inglaterra está de olho na experiência. Se os resultados forem muito bons, há a possibilidade de o método passar a ser oferecido no sistema público de saúde inglês. “Certamente há muito interesse nos resultados desta iniciativa tanto por parte da Inglaterra quanto de outros países”, afirmou à ISTOÉ David Prescott, diretor da empresa que fabrica o exame genético.

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Usar as informações gravadas no código genético para montar uma dieta parece ser uma escolha lógica. Se o corpo metaboliza mais devagar o carboidrato, a chance de acúmulo de peso é maior. Portanto, no cardápio a ser formulado, reduz-se a ingestão deste nutriente. Mas se é a intolerância ao glúten que está promovendo uma retenção de líquidos, originando um peso mais elevado, deve-se evitar o ingrediente dali por diante.

Além disso, o peso da genética para a obesidade é algo fundamentado pela ciência. Desde 2001, quando foram divulgados os primeiros resultados do Projeto Genoma – sua proposta é a de decodificar todo o genoma humano -, grupos de cientistas ao redor do mundo começaram a usar as informações derivadas da iniciativa para entender melhor a relação dos genes com a obesidade.

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Hoje, sabe-se que nos genes estão guardadas instruções para determinar desde o que o corpo vai aproveitar melhor até se uma pessoa terá mais fome do que a outra. No início do ano, o maior estudo feito sobre o assunto até agora identificou mais de 140 pontos ao longo do genoma associados a várias características do excesso de peso. Foram localizados, inclusive, genes relacionados aos locais onde a gordura vai se acumular e à regulação do apetite. “Nosso trabalho mostrou claramente que a predisposição à obesidade não é resultado de um único gene”, disse Cecília Lindgren, coordenadora do trabalho e professora da Universidade de Oxford, na Inglaterra.

Sobre a eficácia das dietas baseadas nos testes genéticos hoje disponíveis, porém, a ciência ainda não tem uma resposta definitiva. Há trabalhos que apontam em direção promissora, como o do italiano Nicola Pirastu, da Universidade de Trieste, na Itália. Ele aferiu a resposta de 191 obesos submetidos a um teste que examinou 21 genes envolvidos em funções que iam da velocidade do metabolismo à reação à ingestão de açúcar e de lipídios. Cada um dos participantes teve uma dieta desenhada especialmente segundo suas características. Seu peso foi monitorado por dois anos e comparado a um grupo controle, que fez uma dieta comum de restrição calórica. No final, os que fizeram o perfil genético perderam 33% a mais de peso do que os integrantes do grupo controle. Eles também ganharam mais músculos: cerca de 6% mais massa magra do que os demais voluntários. “As conclusões foram muito animadoras. São um bom começo para aprofundarmos as investigações sobre o tema”, disse Pirastu à ISTOÉ.

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Outro, que também indica um potencial animador, foi coordenado pelo pesquisador Ahmed El-Sohemy, professor do Departamento de Ciências da Nutrição da Universidade de Toronto, no Canadá. Ele acompanhou durante um ano a evolução de 138 pessoas, parte delas submetida a testes genéticos. Particularmente, foi avaliado de que forma o organismo reagia ao consumo de cafeína, sódio, vitamina C e açúcar. “Constatamos que as pessoas que foram informadas a respeito de quais seriam suas reações à ingestão dos ingredientes modificaram sua dieta”, informou à ISTOÉ o professor Ahmed. “Por exemplo, aqueles que ficaram sabendo que carregavam genes associados à ingestão de sódio e maior risco para hipertensão arterial reduziram a ingestão de sódio”, disse.

Porém, uma das principais críticas ao uso dos testes genéticos para a formulação de um regime alimentar neste momento é o fato de as evidências científicas a seu favor ainda não serem embasadas por um número significativo de estudos. “Até agora, as informações sobre o DNA não são claras o suficiente para fazer comentários fundamentados”, disse à ISTOÉ o pesquisador Christopher Gardner, da Universidade de Stanford (EUA). Ele é um dos mais respeitados estudiosos do impacto dos nutrientes na saúde humana.

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No Brasil, o médico geneticista Ciro Martinhago, de São Paulo, também adota cautela em relação ao assunto. “Não tenho dúvidas de que existe uma predisposição genética para a obesidade, mas estamos no começo. Ainda há muito o que se descobrir sobre os genes envolvidos no acúmulo e na perda de peso”, afirma. Na opinião da endocrinologista Maria Edna de Melo, diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade, há outras ressalvas importantes. “Não há dados de longo prazo de indivíduos que modificaram a dieta em decorrência do teste e tiveram benefício após quatro, cinco, dez anos. Além disso, estudos realizados em determinada população não podem ser aplicados a outras, pois as características genéticas são diferentes e os resultados podem também ser distintos.”

Outro ponto colocado por alguns especialistas diz respeito à complexidade da obesidade. “Não é possível definir uma dieta com base apenas na análise do DNA”, diz a endocrinologista Isabela Bussade, do Rio de Janeiro. “A obesidade é uma doença multifatorial”, afirma. Segundo a médica, menos de 1% dos casos são definidos por apenas uma mutação genética. “A grande maioria dos obesos tem uma associação de várias mutações, combinada a fatores externos ambientais”, diz.

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Por isso, na opinião da especialista, os exames genéticos podem ser úteis, mas nunca como os definidores do tratamento, de forma isolada. “A diretriz do tratamento deve ser estabelecida considerando-se o histórico de obesidade do paciente (números de tentativas prévias de emagrecimento, número de fármacos usados e história familiar de obesidade, entre outros fatores), se tem doenças associadas à obesidade e a presença ou não de transtornos alimentares”, explica. “Se todos estes fatores já tiverem sido considerados, o teste genético pode ser aplicado”, afirma.

O pesquisador italiano Nicola Pirastu acredita, entretanto, que é uma questão de tempo para que os testes e a dieta do DNA modifiquem a forma como se trata a obesidade. “Isso acontecerá no futuro, quando tivermos mais informações. Quando falamos de excesso de peso, falamos sobre um sintoma de algo que não estamos verdadeiramente tratando. Com as dietas, estamos tratando algo sem conhecer sua causa. Para um paciente pode ser um problema de fome, ele não consegue parar de comer. Outro pode ser “dependente” de açúcar e de gordura”, disse à ISTOÉ. “No entanto, eles são tratados do mesmo jeito: restrição calórica e alimentação saudável. Mas precisam ser cuidados de forma diferente. E os testes ajudarão nisso, a conhecer melhor cada paciente.”

Fotos: Bruno Poppe, Eduardo Zappia – Ag. Istoé, Stefano Martini, PEDRO DIAS