No dia da abertura da Copa América e em meio à proliferação de escândalos envolvendo o comando internacional do esporte, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) se reuniu numa assembleia convocada pelo presidente da entidade, Marco Polo Del Nero, para mudar as regras que definem como e quem decide o futuro dos gramados no País. O conjunto de reformas aprovadas na quinta-feira 11, todas por unanimidade, desapontou aqueles que ansiavam por mudanças radicais na estrutura da CBF. Num encontro sem polêmicas, a maior alteração realizada foi o fim da possibilidade de um cartola se eleger indefinidamente. A partir do próximo pleito, o mandato do presidente continuará sendo de quatro anos, com possibilidade de apenas uma reeleição. “São mudanças secundárias para não se mudar o principal”, diz Mauricio Murad, professor de sociologia do esporte na Universo.

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DISCURSO
Marco Pólo Del Nero (abaixo) depõe na Câmara dos Deputados na terça-feira 9:
"Renuncia quem tem alguma coisa errada na vida"

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Antes da assembléia, na terça-feira 9, Del Nero havia participado de uma sabatina na Câmara dos Deputados. Lá, elogiou o vice-presidente da CBF José Maria Marin, preso na Suíça por envolvimento num esquema de corrupção na Federação Internacional de Futebol (Fifa) descoberto pela polícia federal americana, o FBI. Também admitiu que participou da negociação de contratos sob suspeita assinados pelo colega, mas apenas como ouvinte, sem poder de decisão. Quando parlamentares pediram sua saída, afirmou: “renuncia quem tem alguma coisa errada na vida. Vou até o fim do meu mandato”.

Na assembleia da quinta-feira 11, a intenção inicial do mandatário era articular mudanças nas regras de sucessão da CBF. As propostas de Del Nero dispararam uma série de disputas entre várias esferas de poder do futebol brasileiro. O primeiro desses círculos a se mexer foi justamente o dos cartolas do esporte no País – os vices e os líderes das federações estaduais, reticentes a qualquer mudança. Pelas normas vigentes, o primeiro da fila sucessória é o mais velho dos cinco vice-presidentes da organização, no caso o catarinense Delfim Peixoto. Ele havia assumido a vice-presidência como aliado de Del Nero, mas foi escanteado depois de se preparar publicamente para a possibilidade de assumir a vaga. Na assembleia, o primeiro plano do número 1 da CBF era abolir o critério da idade, possibilitando que qualquer um dos vices fosse eleito por meio de votação entre seus pares. Acusada de golpista, a alteração sequer foi apresentada. Mas jogou luz na biografia dos vices, todos envolvidos em confusões na Justiça (leia quadro).

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Em relação às suspeitas, Fernando Sarney disse que o inquérito foi arquivado sem reconhecimento de ilicitudes. Advogado de Marcus Vicente, Luciano Ceotto afirmou que as contas de 2005 e 2006 foram reprovadas por uma falha na entrega de diários de contabilidade pela gestão anterior, e que as de 2014 foram aprovadas com ressalvas pela Justiça na segunda-feira 8, com os gastos questionados representando menos de 2% das contas. Procurado, Gustavo Feijó não se pronunciou, mas o Tribunal Regional Eleitoral de Alagoas manteve sua candidatura justificando que crimes são de menor potencial ofensivo.

A segunda esfera de poder chacoalhada na semana passada pelas articulações de Del Nero é a dos clubes. Mandatários das principais equipes do Brasil vinham discutindo a possibilidade de criar uma liga independente de futebol. No confronto contra os times, o presidente da CBF teve que ceder. Na assembleia de quinta, conferiu mais poderes a eles, que agora poderão decidir o formato do Campeonato Brasileiro sem a interferência da confederação. A decisão, pelo menos por hora, sepultou as articulações para a criação da liga. “A CBF deu aos clubes o poder que lhes é devido”, diz Modesto Roma Júnior, presidente do Santos. “A nova determinação atenua a discussão”, afirma João Humberto Martorelli, do Sport.

Apesar da conquista, as agremiações são, historicamente, desunidas. “Mais do que a liga, este é o momento para criar uma entidade onde as equipes tenham uma mesa de discussão para que as diferenças sejam superadas”, diz Roma. De acordo com o sociólogo do esporte Murad, é justamente o cenário de cisão que deve ser evitado. Num momento de denúncias contra os cartolas que há décadas dominam o futebol, ele recomenda união entre os principais atores do esporte. “O comando do futebol é um ambiente conservador, autoritário, com interesses privados. A principal solução é democratizar a assembleia da CBF, com participação de jogadores e outros profissionais, como árbitros, e até representantes de torcedores.”

fotos: Alexandre Macieira/Riotur; MARCO POLO DEL NERO/COMISSÃO DO ESPORTE