Férias, termômetros lá no alto e praias lotadas. Nada mais comum num país que tem um dos maiores litorais do mundo. O mar, o céu azul, corpos bonitos na areia compõem uma paisagem convidativa. Pelo menos de longe. De perto, nem sempre. O lazer predileto do verão também mostra um país de gente pouco educada. Num típico domingo carioca, logo cedo cangas e cadeiras coloridas disputam espaço com montinhos de lixo. Ao descuido somam-se outras pequenas infrações como jogar frescobol ou futebol na beira da água junto às crianças que brincam na areia, levar o cachorro e andar de barco ou jet ski a uma distância pouco cautelosa dos banhistas.

Para piorar, a maré carrega o lixo, infestando o mar. “Não tive coragem de entrar. Está muito sujo. Há poucas latas de lixo por perto”, observa o israelense Moshe Gerlitz, 22 anos, que visita o Brasil pela primeira vez. Não custa nada recolher as embalagens do que foi consumido e depois jogar fora, mas poucos fazem isso. Copos, latas e canudos ficam na areia mesmo. Só num fim de semana, nos quatro quilômetros da Praia de Copacabana são recolhidas 160 toneladas de lixo.

Maurilo Clareto/AE
Em muros, paredes ou altas marquises. As pichações aparecem em todos os lugares, enfeiando as ruas

As praias são apenas um exemplo entre tantos. Camuflado sob desculpas pouco convincentes, o desprezo às regras aparece a todo momento no mundo dito civilizado e ultrapassa os portões tanto de casas humildes quanto de luxuosas mansões. Com uma simples volta pelo quarteirão é possível listar vários indícios de comportamento social abusivo. Nas praças e jardins, há que ter habilidade para desviar de fezes de cachorros e gatos. Em qualquer fila, há sempre alguém tentando passar na frente dos outros. Na banca de jornal da esquina, denúncias de corrupção reforçam o conceito de que o importante não é obedecer a lei e, sim, encontrar meios de burlá-la. Essa falta de educação é reconhecida pela população: em pesquisa ISTOÉ online, 1.425 pessoas responderam à pergunta O brasileiro é mal-educado? Apenas 333 (19%) disseram que não.

Juca Varella / Folha Imagem
A estiagem do inverno passado colocou à mostra o descuido com a represa do Guarapiranga, área de mananciais de São Paulo

Falta controle – Os dividendos dessas atitudes podem ser colhidos em casa mesmo, aturando filhos abusados, ou na rua, enfrentando, por exemplo, enchentes causadas por bueiros entupidos de lixo. Claro que a primeira reação em situações como essa é cobrar das autoridades o serviço de limpeza. E, para a professora Ivete Lerman, do Serviço de Orientação do Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo, o desleixo dos governos com coisas simples de fato contribui para a descompostura do brasileiro. “A falta de infra-estrutura dilui a força das regras”, diz a psicóloga. Ela lembra também o valores dos sistemas de controle. “Em outros países, há sempre placas apontando a multa pelo descuido na conservação de um parque, e alguém para fazer valer o aviso”, afirma. Foi o que percebeu o turista Moshe que, enquanto opinava sobre o lixo na praia, cometia sem saber outra infração: jogava frescobol na beira d’água. “Estamos aqui desde cedo e ninguém nos falou nada.”

Celso Junior /AE
O dono do veículo parou na calçada, bem embaixo de uma placa de “proibido estacionar”

Para o professor de antropologia da Universidade Federal Fluminense Roberto Kant de Lima, 55 anos, o que falta ao País é sentimento de cidadania. “Se um americano vê alguém jogando papel no chão, ele não chama a polícia. Reprime, ele próprio, o ato”, aponta ele. A falta de iniciativa do brasileiro, segundo o professor, é fruto de uma confusão de conceitos. “No Brasil, o que é público é considerado do Estado e não da coletividade. As regras que regem o uso do espaço público são do Estado e não do povo. Por isso, a rua não é de ninguém”, explica. Aqui, quem reclama é “o chato”. Em Higienópolis, bairro paulistano, de moradores ilustres como o presidente Fernando Henrique Cardoso, Sueli de Faria, 53 anos, leva a fama de pegar no pé dos donos de Bidus e Luluzinhas. Apesar das ruas arborizadas e prédios luxuosos, o bairro chegou a ser chamado de Cocosópolis por conta de alguns moradores que se orgulham por seus cães não fazerem sujeira nenhuma dentro de casa. Só na rua. “Não sei quem criou o apelido. Agora, eu não posso ficar calada vendo alguém parar em frente da minha loja para esperar o seu animal se aliviar. Se alguém entra aqui com os pés sujos pode estragar as minhas peças”, justifica Sueli, dona da Tapetes Arraiolo Oui.

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