Demorou, mas finalmente o Brasil conseguiu entrar na rota dos maiores transatlânticos do mundo. Mais de dez dessas imponentes embarcações navegam pelo litoral brasileiro neste verão. Para garantir o conforto e a comodidade dos viajantes, Santos e Recife, portos-chave na estratégia da indústria de cruzeiros no País, inauguraram modernos terminais de passageiros. Os locais são espaçosos, com áreas para lojas, bares e restaurantes. Um detalhe, “insignificante”, foi esquecido pelos construtores: a profundidade do estuário em frente aos terminais é pequena. Assim, há o risco de um desses luxuosos navios encalhar com um bando de turistas europeus e americanos a bordo.

“É tudo muito bonito, mas fizeram um aeroporto sem pista de pouso”, reclama Walter Bianchi, diretor da Expresso Mercantil, empresa responsável pela logística do The Splendour of the Seas, que com 70.000 toneladas e 260 metros de comprimento é o maior transatlântico em ação na temporada. A profundidade em Santos é de 8,4 metros, insuficiente para que embarcações de grande calado, distância entre a superfície da água e a quilha do barco, atraquem na estação. A empresa responsável pelo terminal, a Concais S/A, sabia do problema, mas não o resolveu. A despesa para a dragagem do estuário não estava no orçamento inicial da obra, avaliada em R$ 3,5 milhões. Flávio Brancato, diretor de operações da empresa, garante que até o final de fevereiro haverá uma solução para o imbróglio.

Max G. Pinto
“Você conhece gente do mundo inteiro. Mas os preços são salgados”
Alexandre Alves, empresário

Em Recife, além da profundidade, estimada em 9 metros, há também um problema de espaço. O canal em frente à estação de passageiros tem cerca de 250 metros. É uma distância curta para as manobras de navios com mais de 200 metros de comprimento. Inaugurada em dezembro, a estação custou R$ 1,6 milhão aos cofres públicos. Para completar, o serviço de alfândega ainda não está funcionando. “Navios com até 200 metros podem operar sem maiores problemas. O calado dessas embarcações não é tão grande e o comprimento permite que elas manobrem dentro da margem de segurança”, diz Marcus Tullius Bandeira de Menezes, 43 anos, secretário adjunto da Secretária de Turismo de Recife. Esse será o argumento para convencer empresários a ficar com o lugar. A prefeitura petista, que assumiu a obra construída na administração do PFL, quer privatizar o terminal. Enquanto não há soluções, o desembarque em Santos e Recife tem sido feito em armazéns e terminais de carga. Os passageiros dividem espaço com guindastes, empilhadeiras e uma série de mercadorias que chegam aos portos. Não é com essa primeira impressão que o turista gostaria de ficar.

Curtição – Trapalhadas como essa podem fazer as grandes companhias do setor repensar os planos no Brasil. Mas nem de longe diminuem o entusiasmo dos “loucos por cruzeiros”. Para eles, pouco importa se há ou não profundidade para o navio atracar. Interessa mesmo é a curtição. “O navio é uma ilha da fantasia. A melhor coisa é a comodidade. Você não precisa ficar fazendo e desfazendo malas, não se estressa com filas, táxis, nada. Não existe preocupação. É só entrar e relaxar”, diz a arquiteta paulistana Brunette Fracarolli. Marinheira de longa data, ela coleciona mais de mil horas a bordo. Certa vez, chegou a passar um mês navegando. “Tenho um conceito um pouco diferente. Quando entro no navio, procuro descansar. Sou capaz de ficar dias sem sair da cabine”, diz. Se pudesse mudar alguma coisa, Brunette criaria uma norma para liberar os cachorros. Seria uma forma de ficar perto de Sissi, sua cadelinha da raça maltês.

André Sarmento

“O navio é uma ilha da fantasia. Não existe preocupação. É só entrar e relaxar”
Brunette Fracarolli, arquiteta

Desse mal o empresário paulistano Alexandre Demétrius Alves não sofre. Sua maior preocupação é fazer amigos. Diz ter feito muitos nos mais de 35 cruzeiros que realizou. “O bom é que você conhece gente do mundo inteiro”, diz. Passageiro dos navios da Costa Cruzeiro, Alves só tem uma reclamação. Os preços são mais salgados que a água do mar. “Pagar R$ 5 por uma água e R$ 7 numa cerveja não é mole”, reclama.

Para esquecer a cerveja cara, o jeito é paquerar. Alves garante que os navios são ótimos lugares para a atividade, embora muita gente vá acompanhada. Essa não é a maior preocupação do empresário chileno radicado em Curitiba Luiz Ramon Valenzuela Kleiber. Bem-casado, o negócio dele é a gastronomia. Lagostas, camarões e outras iguarias são comuns nos cardápios transatlânticos. “O que realmente me impressiona é a oferta de comidas. Pratos bem elaborados são servidos praticamente durante todo o dia. É uma festa”, diz o encantado Kleiber. Ele, a exemplo de Brunette e Alves, diz não ser seduzido pelo charme perigoso do cassino, o lugar preferido por marinheiros de primeira viagem. O desapego ao jogo poderia ser compensado com shows de melhor qualidade. Poderia. Mágicos desconhecidos, mulatas e cantores sem muita expressão são os responsáveis pelo entretenimento. Nessas horas, para quem não gosta, o melhor é dar uma voltinha pelo convés. Quem tiver disposição pode presenciar um nascer do sol simplesmente inesquecível.

Marinheiro só
Alan Rodrigues
Mendes está há cinco meses a bordo: “Aqui a gente trabalha mesmo”

A rotina de trabalho diária nessas grandes embarcações chega a 14 horas. Grande parte da tripulação é de origem humilde, vinda de países pobres. Um tripulante recebe um salário que varia entre US$ 1,5 mil a US$ 3 mil por mês. “A vida a bordo é dura. Mas eles dificilmente receberiam um salário como esse nos países de origem”, diz Carlo Schini, 38 anos, o italiano proprietário da Cruises Solucion, a empresa responsável pelo recrutamento dos 70 brasileiros que trabalham no The Splendour of the Seas.

Os contratos dos tripulantes têm duração de seis meses. Na assinatura do primeiro, caso não aguente o tranco e peça para sair antes do prazo, ele arcará com as despesas de transporte até a terra natal. As dificuldades parecem não assustar. É difícil encontrar gente com pouca experiência nos barcos.

O garçom brasileiro Antônio Mendes está há cinco anos nessa vida. “Aqui a gente trabalha mesmo. São 12, 14 horas por dia. Não temos fundo de garantia, férias ou 13º. Mas o salário compensa. Não tenho faculdade. Em que emprego receberia US$ 3 mil dólares no Brasil?”, pergunta o catarinense. Ainda há poucos brasileiros trabalhando em alto-mar. Nos próximos anos, mais de cinco mil serão preparados para ingressar na indústria de cruzeiros. Na sua maioria serão garçons, barmen, e cozinheiros formados em um convênio entre a Embratur e as escolas do Senac.