Durante as quase duas horas em que esteve no Hotel Hyatt, em São Paulo, para ministrar uma palestra a 622 empresários, ser sabatinado por eles e depois atender jornalistas, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, citou a palavra “crise” nove vezes. O adjetivo “difícil” foi pronunciado outras seis. O termo “realismo” apareceu em pelo menos três momentos. O evento, realizado na segunda-feira 30 pelo Lide – Grupo de Líderes Empresariais, escancarou o tamanho da encrenca que Levy tem pela frente. Não é tarefa simples colocar a economia nos eixos e dar algum rumo para o governo da presidente Dilma Rousseff. “É preciso encarar os problemas do Brasil com realismo”, disse Levy. “O ajuste vai ser duro, mas vai ser rápido.” O choque de realidade anunciado pelo ministro traz um efeito indigesto. Nenhum dos 39 ministros de Dilma está tão exposto quanto ele. Nenhum tem sobre os ombros o peso de defender o que parece indefensável – aperto nos cintos, fim de concessões fiscais, rearranjo de benefícios trabalhistas. Para expor suas ideias e, acima de tudo, ajudar um governo que não se ajuda, Levy vem enfrentando (e continuará a enfrentar) um verdadeiro calvário. A boa notícia é que parece decidido a não fraquejar.

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SOB PRESSÃO
Levy em encontro com empresários na semana passada:
ele não quer vender falsas esperanças

Se a batalha de Levy fosse uma luta de boxe, ele teria ganho seu primeiro round na terça-feira 31, um dia depois de conversar com o empresariado em São Paulo. Munido apenas de garrafas d´água e alguns documentos, o ministro passou sete horas e vinte minutos em audiência na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado. O tema era o ajuste fiscal, mas o encontro enveredou para assuntos como corrupção, inchaço da máquina pública, confusões do governo. A sanha dos parlamentares foi apaziguada pelas propostas econômicas do ministro, que não altera o tom de voz nem para dizer que não descarta novos impostos. Levy conseguiu convencer os senadores – principalmente a ala do PMDB liderada pelo presidente da Casa, Renan Calheiros – a adiar a votação do projeto que fixa em até 30 dias a aplicação do novo indexador da dívida dos Estados e municípios. O adiamento foi importante porque, em tempos de contenção de despesas, o projeto aumentará os gastos do governo em R$ 3 bilhões. Como articulador político (papel que, nem é preciso dizer, não deveria ser sua responsabilidade), Levy evitou mais uma derrota política do Palácio do Planalto no Congresso

A vitória é apenas momentânea. Levy viverá dias de tormento para aprovar integralmente o ajuste fiscal e convencer a sociedade que o governo Dilma tem ainda cartas para apresentar. No encontro com empresários em São Paulo, o ministro pôde sentir a atmosfera de descontentamento. Um executivo de uma rede varejista perguntou a ele se há disposição do governo para cortar ministérios. Um profissional de uma fabricante de brinquedos quis saber se países como Cuba e Venezuela serão favorecidos por linhas de financiamento do BNDES, o que provocou aplausos da plateia. Levy esquivou-se, disse que não é um especialista nestes temas. Detalhe: ele estava ali para um público que, salvo exceções, identifica-se com suas ideias. Mesmo assim, não foi poupado.

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PARA DEPOIS
O senador Renan Calheiros aceitou o adiamento da votação do projeto
que trata da dívida dos Estados: vitória pessoal de Levy

O calvário de Levy tem sido ainda maior porque ele sofre de um mal que pode abreviar ambições políticas. É um “sincericida” nato. Já fez críticas pesadas às desonerações fiscais praticadas pelo governo Dilma, elogiou o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso (nada demais, não fosse o exagerado clima de rivalidade entre os partidos) e, agora, não esconde de ninguém a gravidade econômica. Nesse aspecto, é muito diferente de seu antecessor, o ex-ministro Guido Mantega. Como chefe da pasta de Economia, Mantega era o otimismo em pessoa, sempre defendendo a tese de que o País estava bem (de fato, por um período esteve) mesmo quando a crise se aproximava. Levy soa diferente. Ele não dá falsas esperanças. O ajuste, diz ele, é um remédio amargo, mas sem ele tudo pode ser pior. O risco é a presidente Dilma acreditar que seu ministro mais importante está exagerando na dose.

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Fotos: Paulo Whitaker/ Reuters; Adriano Machado/Ag.Istoé