Corrupção, impunidade e impotência frente aos desmandos dos poderosos têm levado cada vez mais brasileiros a deixarem o país. Os que ficam lamentam-se que iriam também se tivessem a chance. “O Brasil não tem mais jeito”, dizem uns a boca pequena, outros aos gritos.

A crise econômica é séria, mas não é a responsável por tanta desesperança. A desolação é consequência de nossa crise moral. O Brasil já enfrentou e superou muitas crises econômicas e, mais cedo ou mais tarde, superará esta também. Já a sensação de que o Estado, nos mais diversos níveis, foi usurpado por quadrilhas que o usam como um meio para servir a interesses próprios é muito mais grave e perniciosa. A própria razão de ser do Estado democrático – servir à sociedade – foi deturpada. Pior, estes grupos nos roubaram o orgulho de sermos brasileiros e a fé em nosso próprio país. Na visão de muitos, o Brasil voltou, em poucos anos, do país em que o futuro parecia estar chegando ao país sem solução, eternamente condenado ao fracasso.

É fácil entender a desilusão. A presidente reeleita comandava o Conselho de Administração da Petrobras no maior caso de corrupção da história do planeta segundo o jornal The New York Times. O presidente da Câmara dos Deputados, o presidente do Senado, dezenas de outros congressistas e até ex-ministros de Estado e governadores estão sob investigação judicial com fortes suspeitas de corrupção. O Judiciário, supostamente o último bastião da legalidade no país, está com sua credibilidade em xeque após o passeio de Porsche do juiz que cuidava do caso Eike Batista, a injustificada voz de prisão dada por outro juiz à oficial de trânsito que cumpria sua função e parou-o em uma blitz, e as dúvidas quanto à imparcialidade do Supremo Tribunal Federal para julgar políticos envolvidos na Operação Lava-Jato.

Para piorar, enquanto o governo pede sacrifícios à população e aumenta impostos, o Congresso expande os benefícios dos congressistas e aumenta os salários da presidente, ministros, juízes e os seus próprios. Não satisfeito, triplica os recursos para os partidos políticos. E ainda querem construir para uso próprio um palacete ao custo de mais de R$ 1 bilhão. Pois é, o país é rico.

Negar os problemas e desafios que o Brasil vive seria, no mínimo, ingênuo. Igualmente ingênuo é considerar permanente uma situação com tantas fontes de instabilidade. A Operação Lava Jato abriu a caixa de Pandora. A delação premiada ligou o ventilador.

A sociedade reagiu, como evidencia a maior manifestação já vista no país em quase 30 anos – as duas últimas, de proporções semelhantes, resultaram na redemocratização e no impeachment de Collor. Desta vez, não ocorrerão transformações significativas na política brasileira? Improvável.

Aliás, a primeira mudança já ocorreu. Até recentemente, a presidente negava a insatisfação popular, insultando a inteligência dos eleitores. Demorou, mas ela mudou de estratégia e agora reconhece que tem de ouvir os brados das ruas. Sábias palavras, mas muito mais importantes foram as ações. Finalmente, acabaram cumpridas as promessas de campanha de enviar ao Congresso um pacote de medidas para endurecer a legislação de combate à corrupção.

Ao contrário do que temem os pessimistas, esta situação política e econômica não apenas tem solução – ela é a solução para a crise moral que vivemos. Sem uma crise de tamanhas proporções, dificilmente a sociedade brasileira se mobilizaria para mudar o país.

O Brasil tem jeito, sim. A crise é o jeito. Não é à toa que o ideograma chinês para crise e oportunidade é o mesmo. Sabedoria milenar…

Ricardo Amorim é economista, apresentador do programa “Manhattan Connection”, da Globonews, e presidente da Ricam Consultoria